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Regime jurídico emergencial na pandemia: Como ficam as obrigações nesse período?
Edição 3 - Junho de 2020
Em virtude da pandemia de COVID-19 muitos são os impactos experimentados pela sociedade, de forma que vivemos muito mais que uma crise de saúde, com reflexos especialmente nas relações econômicas e sociais.
Diante desse cenário excepcional é inevitável a repercussão no adimplemento de obrigações, merecendo, assim, a criação de um regramento específico para atenuar as consequências socioeconômicas.
Nesse contexto, em 10/06/2020, foi editada a Lei 14.010/2020, resultante do Projeto de Lei 1.179/2020, com o propósito de manter os contratos em andamento, suspender prazos para cumprimento de obrigações e adequar certas condutas às medidas de isolamento social impostas nesse período.
Contudo, o texto final da Lei mostrou-se tímido, perdendo o legislador a oportunidade de trazer regras, ainda que transitórias, que poderiam evitar disputas judiciais e o abarrotamento esperado no judiciário.
Nesta 3ª Edição do nosso Boletim Informativo, tratamos das alterações propostas na legislação, bem como trazemos nossas percepções e críticas, especialmente aos artigos vetados.
Da Prescrição e Decadência
A Lei 14.010/20, em seu Art. 3º, instituiu a suspensão ou impedimento dos prazos prescricionais e decadenciais. A partir de 10 de Junho de 2020, data da publicação da presente Lei, com vigência até 30 de outubro de 2020, não havendo previsão de prorrogação.
Apesar da presente Lei se basear no Decreto Legislativo nº 06, que reconheceu a pandemia em decorrência do coronavírus a partir de 20 de março de 2020, não houve a aplicação retroativa dos dispositivos que regulamentam a suspensão ou impedimento dos prazos.
Vejamos a diferença entre Prescrição e Decadência:
- Prescrição – é a perda da pretensão de exigir do titular de um direito, em razão do decurso do tempo.
Na prática a Lei estabelece o prazo máximo de 3 anos, para ajuizar a ação de execução com objetivo de exigir a cobrança de título executivos, como CPR, Duplicata, Nota Promissória e outros, contados do seu vencimento.
Havendo a exceção, apenas, sobre o cheque que possui prazo prescricional de 6 meses, contados após expirar o prazo de apresentação de 30 dias.
Expirado o prazo prescricional, o credor não poderá ajuizar ação de execução, ficando prejudicado, uma vez que se trata de medida mais célere que busca de imediato a execução do título, para liquidar a dívida.
- Decadência – é a perda de um direito que não foi exercido pelo seu titular no prazo previsto em lei, é a perda do direito em si, em razão do decurso do tempo.
Nesse caso, existe um direito, e seu pedido deve ser formalizado na justiça dentro de determinado prazo. Caso a formalização não seja feita, o direito deixa de existir. Quanto à diferença entre impedimento e suspensão, ambas são formas de paralisação do prazo. A diferença fática é quanto ao seu termo, no impedimento, o prazo não iniciou sua contagem, ou seja, não está correndo, enquanto na suspensão, o prazo, já está fluindo e fica “congelado”, enquanto perdurar a causa suspensiva.
Vale destacar que não se aplicará de forma cumulativa, a suspensão ou impedimento prevista na Lei nº 14.010/20, com as hipóteses já previstas em nossa legislação.
Desse modo, os titulares que, possuírem títulos/exigências a vencer durante a vigência da presente Lei, terão seus prazos postergados, voltando a correr em 01 de novembro de 2020, podendo esses praticarem atos de cobrança de seus direitos sem serem considerados negligentes em decorrência do congelamento dos prazos.
Das pessoas jurídicas de direito privado
No Projeto de Lei 1.179/2020, havia previsão de que associações, sociedades, fundações e associações religiosas deveriam observar as restrições à realização de reuniões e assembleias presenciais, respeitando as medidas de isolamento para contenção da pandemia, observadas as determinações sanitárias das autoridades legais.
Este texto foi vetado, mantendo-se apenas o artigo 5º, que dispõe sobre a possibilidade de realização da assembleia geral por meios eletrônicos, mesmo em casos de destituição de administradores ou alteração do estatuto na empresa, e ainda que disposto de forma diversa em seus atos constitutivos.
Importante atentar-se que para que seja possível seguir conforme aprovado pela nova Lei, o administrador da empresa poderá definir qual será o meio eletrônico utilizado, devendo garantir a segurança e identificação de cada voto realizado em assembleia.
Hoje possuímos diversas plataformas que nos permitem realizar reuniões através de vídeo, o que é importante para o caso de Assembleias, onde os participantes poderão debater e discutir a pauta, interagindo de forma mais discursiva. No entanto, é possível que as reuniões sejam realizadas através de meios eletrônicos escritos e não necessariamente por vídeo.
Vale destacar que o objetivo da nova legislação é trazer meios que facilitem e agilizem as rotinas das empresas, as quais passam por adaptações à nova realidade imposta para contenção dos efeitos da pandemia. Ponto de extrema relevância é a verificação das condições de conectividades dos agentes, de forma a garantir equidade nas deliberações.
Da resilição, resolução e revisão dos contratos
A promulgação da Lei 14.010/2020, não trouxe modificações para a área contratual, os artigos que tratavam do assunto foram vetados, sob o argumento de que o sistema brasileiro já possui mecanismos para solução de conflitos em situações excepcionais, com o que discordamos. É necessário, portanto, analisarmos o conjunto de regras e alternativas disponíveis para lidarmos com as diversas situações geradas pela pandemia.
contratos que envolvem empresas … o contrato não possui hipossuficiência na relação, as partes contratam em pé de igualdade e por via de assessoria técnica.
Cumpre aqui destacar quais são os tipos de contratos aos quais nos referimos ao longo do texto, são eles: os contratos que envolvem empresas, onde os polos da relação são ocupados por pessoas jurídicas, ou pessoas físicas que possuam características empresariais, ou seja, o contrato não possui hipossuficiência na relação, as partes contratam em pé de igualdade e por via de assessoria técnica.
Diante do cenário da pandemia recomenda-se, sempre que possível, buscar uma solução consensual para o contrato. Uma negociação voluntária é sempre mais adequada, em termos práticos e financeiros, do que uma ação judicial de revisão provocada por uma das partes.
Todavia, nem sempre é possível o consenso das partes na relação contratual, motivo pelo qual o legislador, no Projeto de Lei 1.179/2020, tentou esclarecer alguns cenários que não seriam aplicados argumento de imprevisibilidade, de forma a se evitar a judicialização.
O artigo 6º do Projeto de Lei previa a não retroatividade dos efeitos da pandemia para apuração de caso fortuito ou força maior, ou seja, contratos vencidos antes do dia 20/03/2020, data do reconhecimento do estado de calamidade pública, e não cumpridos, deveriam ser executados normalmente.
Já o artigo 7º previa que o aumento da inflação, a variação cambial, a desvalorização ou substituição do padrão monetário não seriam considerados fatos imprevisíveis, trazendo para a legislação fato consolidado na jurisprudência nacional.
Como dito, referidos artigos foram vetados sob argumento de que o ordenamento jurídico já dispõe de mecanismos apropriados, a exemplo da teoria da imprevisão e da onerosidade excessiva.
Nesse sentido, o Código Civil prevê regramentos para eventos que sejam imprevisíveis e que possam causar desbalanceamento dos contratos. Abaixo destacamos seus principais dispositivos:
- Artigo 393: trata do caso fortuito ou força maior como excludente da responsabilidade do devedor;
- Artigo 478: traz a hipótese de resolução do contrato judicialmente, quando sua prestação se tornar excessivamente onerosa;
- Artigos 479 e 480: dispõe a hipótese das partes chegarem a um acordo desonerando equitativamente a prestação de contrato, a fim de se evitar a onerosidade efetiva.
Importa destacar que a imprevisibilidade, por si só, não é causa de revisão ou resolução do contrato, ela deve estar acompanhada de circunstâncias que causem efetivamente um desequilíbrio contratual.
Além disso, os contratos podem conter cláusulas próprias prevendo inúmeras formas de solução decorrentes da função social do contrato e da boa-fé. Porém, muito provavelmente, quando da formalização do contrato, não era esperado o cenário atual, de grave crise que acaba atingindo toda a cadeia produtiva, havendo perdas para ambos os lados.
Portanto, muito embora o ordenamento jurídico conte com uma gama de soluções para resolver distintas consequências contratuais, os dispositivos vetados traziam grande importância no esclarecimento e diminuição de possíveis conflitos.
Entendemos que falhou o executivo com os vetos, bem como o legislador ao não tentar propor novos caminhos no sentido de preservar as relações jurídicas e proteger as partes vulneráveis, buscando-se especialmente soluções consensuais, pois essas sim podem ser um importante aliado a se evitar o agravamento da crise no Judiciário.
Das relações de consumo - Direito de arrependimento nas compras por delivery
Com relação ao Direito do Consumidor, o Projeto de Lei trazia a suspensão da eficácia do artigo 49, do Código de Defesa do Consumidor, o qual prevê a possibilidade do cancelamento pelo consumidor de compra dentro do prazo de 7 dias, a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a compra for realizada fora do estabelecimento comercial, ou seja, para as compras realizadas de forma online e telefônica. Nota-se que o assunto foi abordado de forma genérica, sem especificar produtos ou serviços que se enquadrem na excepcionalidade.
Já, no texto definitivo da Lei 14.010/2020, em seu artigo 8º, restringiu a suspensão somente aos serviços de delivery de produtos perecíveis ou de consumo imediato e de medicamentos. Desse modo, até 30 de outubro de 2020, os consumidores não poderão exercer o direito de arrependimento para entregas domiciliares (delivery) somente com relação aos produtos mencionados. Destaca-se que permanece o direito de arrependimento aos produtos não perecíveis como roupas, eletrônicos, cosméticos, etc.
Vale ressaltar que embora a Lei traga a possibilidade da suspensão do direito de arrependimento para os casos elencados acima, temos que analisar caso a caso, como por exemplo, em caso de compra de produtos através de delivery, que contenha vício de qualidade ou quantidade, o consumidor poderá solicitar a troca do produto; restituição do valor; ou abatimento proporcional do valor pago ao fornecedor, conforme previsão existente no próprio Código de Defesa do Consumidor. Ou seja, a aplicação da Lei será válida apenas para caso de direito de arrependimento do consumidor, onde o produto encontra-se em perfeito estado e sem vícios ou defeitos.
Embora a nova legislação seja válida apenas até o final de outubro, nos faz refletir sobre um consumo mais equilibrado, especialmente nesse período de pandemia, de forma a não nos valermos das muitas facilidades do e-commerce para descontar nossas ansiedades e angústias.
Do transporte remunerado e serviços de "delivery"
O Capítulo XI do texto aprovado no Senado Federal determinava que empresas atuantes no transporte remunerado privado individual de passageiros (incluindo aplicativos) e nos serviços de entrega (comida, refeições, remédios, etc) deveriam reduzir em, pelo menos, 15% a retenção do valor das viagens, garantindo maior remuneração ao motorista/entregador. Complementarmente, vedava o aumento de preços dos serviços ao usuário que se justificasse pela diminuição da retenção ao prestador de serviços.
O capítulo foi integralmente vetado pelo poder executivo sob justificativa de que tais dispositivos violariam o princípio constitucional da livre iniciativa.
Mais uma vez, o veto do poder executivo demonstra certa intenção em esvaziar as medidas que objetivam conter os danos econômicos e sociais advindos da realidade pandêmica. Tal veto atinge, em primeiro plano, os trabalhadores cuja manutenção de sua fonte de sustento resulta diretamente a uma maior exposição ao COVID-19, e que, inclusive, já não contam com o amparo trabalhista das plataformas para as quais exercem sua atividade.
Das locações de imóveis urbanos
O Projeto de Lei 1.179/2020 determinava o impedimento de concessão de liminar para ordem de despejo que visasse a desocupação de imóveis urbanos até 30/10/2020, sendo aplicado para ações ajuizadas a partir de 20/03/2020.
No trâmite legislativo foram suprimidos ainda os itens que dispunham da suspensão do pagamento do aluguel – total ou parcialmente – no período de 20/03/2020 a 30/10/2020 para aqueles que demonstrassem sofrer alteração econômico-financeira em decorrência da pandemia.
Objetiva-se a proteção da camada mais vulnerável da população e, não obstante, preservar as relações jurídicas. Em um contexto de pandemia, em que a busca por isolamento social é medida de saúde pública, resguardar o lar, principalmente daqueles mais expostos às consequências econômicas e sanitárias provocadas pelo COVID-19, mostra-se óbvio e urgente.
Contudo, referido capítulo foi integralmente vetado pelo poder executivo sob a justificativa vazia de que o dispositivo contraria o interesse público ao dar “proteção excessiva ao devedor em detrimento do credor” e que, além disso, incentivaria o inadimplemento por parte do devedor.
Tal argumento, porém, não se sustenta. Isso porque, o impedimento temporário do despejo de locatários não inviabiliza a cobrança das dívidas objeto dos aluguéis, seja através da penhora em dinheiro, protesto judicial, dentre outras medidas quando da execução dos contratos de locação.
Pecaram novamente o Executivo e o Legislativo, permitindo que se acentue ainda mais a vulnerabilidade dos locatários, em dissonância com a necessidade de cooperação à efetividade das medidas de isolamento social para contenção da pandemia.
Dos condomínios edilícios
O texto originário da Lei nº 14.010/20, especificamente em seu art. 11, previa o aumento dos poderes do síndico, para além dos poderes conferidos no art. 1348 do Código Civil.
Assim, previa-se que o síndico detinha a responsabilidade de restringir a utilização das áreas comuns, restringir ou proibir a realização de reuniões, festividades, uso dos abrigos de veículos por terceiros, com intuito de evitar a propagação do Covid-19, até 30 de outubro de 2020. Havendo exceções em casos de atendimento médico, obras de natureza estrutural ou a realização de benfeitorias necessárias.
… esse dispositivo foi vetado…
Ocorre que, esse dispositivo foi vetado, objetivando o legislador, que todas as decisões sejam tomadas por assembleias, não podendo então, o sindico por mera liberalidade tomar decisões, sem submeter à assembleia.
No mais, levando em consideração os impactos da pandemia a Lei nº 14.010/20, prevê em seu art. 12, esse em vigor, a obrigatoriedade, da realização das assembleias condominiais, por meios virtuais, em razão da inadequação de aglomeração de pessoas nesses tempos de crise.
Dessa forma, o síndico deverá escolher um meio de virtual para a realização das assembleias, para tomada de decisões, e coleta dos votos se necessário, manifestações essas que serão equiparadas, para todos os efeitos jurídicos às assinaturas presenciais dos condôminos.
Os síndicos, salvo disposição contrária nas convenções, possuem mandato de 2 anos, prorrogável por igual período. No entanto, o síndico com mandato prestes a expirar, deverá convocar assembleia virtual para deliberar sobre a nomeação de novo síndico. E caso não seja possível, o art. 12, parágrafo único, da Lei admite a prorrogação automática dos mandatos a partir de 20 de março de 2020 até 30 de outubro de 2020. Logo, o art. 13 da Lei, não traz novidades, ele apenas ressalta que permanece obrigatória a prestação de contas regular de seus atos de administração, sob pena de destituição.
Observando o veto, notamos que há uma desarmonia com as medidas de isolamento e sanitárias adotadas pelo poder público, para minimizar a propagação do Covid-19, uma vez que deveria haver a restrição ao uso das áreas comum, independentemente de deliberação em assembleia.
Dos contratos agrários
Todos os artigos que dispunham sobre as regras transitórias para reger os contratos de arrendamento foram retirados do texto, por entender que não convém tratar do tema neste momento, enfatizando que o ordenamento jurídico já é apto a guiar as partes para resolução de questões relacionadas aos contratos de arrendamento.
O dispositivo que permitia celebração de contrato de arrendamento com empresa estrangeira também foi suprimido, com argumento que o assunto demanda análise minuciosa, cuja interferência atingi relações internacionais de grande complexidade.
Dessa forma, eventuais questões relacionadas ao contrato de arrendamento durante o período de pandemia, devem ser levadas ao conhecimento do Poder Judiciário para solução do litígio.
Vale lembrar que os meios alternativos de resolução de conflitos, tais como conciliação, mediação e arbitragem, são atualmente a via mais rápida e eficaz, possibilitando sanar a controvérsia entre as partes na esfera extraprocessual e num curto período de tempo.
Da Usucapião
A usucapião é uma situação em que se adquire a propriedade de um bem móvel ou imóvel pela posse prolongada, desde que respeitados alguns requisitos previstos em lei, sendo o principal deles o tempo de posse. Não há que se falar em usucapião de bens imóveis, se o possuidor exerce a posse mediante contrato de locação ou comodato, por exemplo.
As principais características da posse, para análise dos tipos de usucapião, se referem à intenção de dono, mansa e pacífica, contínua e duradoura, justa, de boa-fé e com justo título.
A usucapião ordinária
é aquela que alguém adquire a propriedade do imóvel através da posse pacífica e contínua por mais de 10 (dez) anos, mediante justo título e boa-fé, sendo que este prazo cairá para 5 (cinco) anos se este título tiver sido adquirido de forma onerosa e com base em registro em cartório de imóveis, cancelado posteriormente.
A usucapião extraordinária
é aquela que confere a propriedade ao possuidor de imóvel que, independentemente de título e boa-fé, ficar em posse de imóvel pelo prazo de 15 (quinze) anos. Salienta-se que este prazo cai para 10 (dez) anos, se houver a prova de que o possuidor fez do imóvel sua moradia habitual ou que realizou obras ou serviços de caráter produtivo.
A usucapião constitucional
a usucapião constitucional ou também denominada como especial rural, possibilita que, aquele que não for proprietário de nenhum outro imóvel, seja ele urbano ou rural, mas que possuir como seu, imóvel rural não superior a 50 hectares, por 5 (cinco) anos ininterruptos e sem oposição, desde que o tenho como moradia e como área de trabalho próprio e produtivo, adquira a respectiva propriedade.
A usucapião constitucional urbana
No mesmo sentido, há a usucapião constitucional urbana, que traz como diferença da rural, o tamanho máximo da área a ser adquirida (250m²).
A usucapião especial urbana coletiva
A legislação ainda prevê a existência de usucapião especial urbana coletiva, a qual permite que áreas urbanas com mais de 250 m² sejam usucapidas coletivamente através de posse de população de baixa renda para moradia, por mais de 5 (cinco) anos ininterruptos e sem oposição, desde que os possuidores também não sejam proprietários de quaisquer outros imóveis.
A usucapião especial indígena
Por fim, há a usucapião especial indígena, que estabelece que o índio que possuir como sua, área de terra inferior a 50 ha, por mais de 10 (dez) anos consecutivos, adquirirá a respectiva propriedade.
*Todos estes prazos para a aquisição da propriedade, tanto mobiliária quanto imobiliária, decorrentes das mais diversas modalidades de usucapião, desde a entrada em vigor da Lei 14.010/2020 até 30.10.2020 encontram-se suspensos por força do previsto no artigo 10º da referida Lei.
Do Regime Concorrencial
A principal motivação para aprovação de toda a Lei 14.010 é reconhecer o ambiente excepcional causado pela pandemia e regular algumas práticas que possam ter sido utilizadas por empresas durante o período, garantindo assim, um ambiente concorrencial justo no durante e, principalmente, no pós pandemia.
O Art. 14 da Lei 14.010 traz a ineficácia, durante o período, dos seguintes artigos da Lei Antitruste:
- Art. 36, § 3º, inciso XV e XVII
- Art. 90, inciso IV.
O parágrafo terceiro do artigo 36 prevê algumas condutas que são consideradas infrações se realizadas com o intuito de ferir a concorrência. Ressalta-se que esse rol de infrações não é taxativo, mas sim descritivo-exemplificado, tema pacificado na doutrina e na jurisprudência do CADE (Conselho de Defesa Econômica). O CADE estipula que os pressupostos estabelecidos no artigo 36 são a principal forma de apuração de ilícito antitruste, ou seja, a ineficácia das referidas condutas, venda de produto ou mercadoria abaixo do preço de custo (inciso XV) e cessação de atividade de empresa saudável sem justa causa (inciso XVII), para serem considerados ilícitos, devem possuir efeito sobre a concorrência.
Portanto, não faz diferença a suspensão da ineficácia dos referidos incisos, haja vista, que o texto legislativo já trazia as condições para exame da racionalidade, dos propósitos e dos efeitos do mercado, qual seja, para as práticas serem consideradas ilícitos, deveriam ferir a concorrência e ser injustificada. Nesse sentido, o contexto da pandemia, por si só, já atribui a justa condição e excepcionalidade para a realização das práticas.
Já o artigo 90 da Lei Antitruste traz a possibilidade de companhias se juntarem em consórcio, joint venture e contratos associativos. Com o advento da nova Lei essa possibilidade tornou-se ineficaz, ou seja, todas essas formas de concentração entre empresas que estavam sendo discutidas, estão suspensas. Buscou o artigo coibir a prática de atos que, diante do cenário de pandemia, poderiam afetar a concorrência. Prevê-se ainda a hipótese do CADE apurar infrações à ordem econômica de possíveis acordos que não forem necessários ao combate ou à mitigação das consequências decorrentes da pandemia do coronavírus.
A mudança referente aos atos de concentração focaram em garantir a ineficácia de atos durante o período de pandemia, mas poderiam ser realizadas no sentido de buscar e oferecer novos critérios para a realização de tais atos. Vale citar o exemplo de outros países, que tentaram regular, de forma exemplificativa, quais os tipos de operações que poderiam ocorrer, de forma a estimular a economia, num período de crise excepcional. Infelizmente a Lei nada trouxe sobre isso, prevendo apenas que o CADE poderá realizar a análise do ato posteriormente.
Ambas as mudanças trazidas pela Lei 14.010/2020, apesar da urgência devido a operações que poderiam ocorrer, pecam pelo excesso e pela falta, excesso de suspensão de incisos que são apenas exemplificativos e não taxativos e falta de não ter oferecido critérios para os atos de cooperação, especialmente os que não atingirem o grau de mútua colaboração necessária para que sejam convertidos em atos de concentração.
Do direito de família e sucessões
A partir de 12 de junho de 2020, a prisão civil do devedor de alimentos, deverá ser cumprida exclusivamente sob o regime domiciliar, até 30 de outubro de 2020, justamente para evitar a propagação do COVID-19. A Lei deixou claro que embora o devedor cumpra a medida excepcional em regime domiciliar, não impede ao magistrado aplicação da exigibilidade das obrigações alimentícias.
Vale destacar que muito antes da vigência da referida Lei, o Conselho Nacional de Justiça em 17 de março de 2020, havia publicado a Recomendação nº 62 para adoção de medidas preventivas no âmbito do estabelecimento prisional e do sistema socioeducativo em todo território nacional, incluindo a prisão civil por dívida alimentícia em colocação domiciliar, com vistas à redução dos riscos epidemiológicos de disseminação do vírus.
O STJ, em 19 de março de 2020, decidiu em sede de recurso de habeas corpus, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, que o devedor de alimentos cumprisse a prisão civil em regime domiciliar justificando que “é preciso dar imediato cumprimento à recomendação do Conselho Nacional de Justiça, como medida de contenção da pandemia mundialmente causada pelo coronavírus (Covid- 19)” (STJ, HC 566897 (2020/0068179-5), de 19.03.20).
Outra mudança trazida pela Lei, foi a elasticidade do prazo para início do processo de inventário, sendo que, para os óbitos ocorridos a partir de 1º de fevereiro de 2020, o marco inicial para contagem do prazo de 2 (dois) meses, será contado somente a partir de 30 de outubro de 2020.
Importante mencionar que a Normal Processual Brasileira determina que na hipótese de falecimento do autor da herança, os interessados terão o prazo de 2 (dois) meses para dar início ao processo de inventário e partilha, a contar da data do óbito. Caso a propositura da ação seja feita fora do prazo de 2 (dois) meses após a morte do autor da herança, incidirá acréscimo no Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação – ITCMD, bem como aplicação de multa pela Fazenda Estadual.
Estabelece ainda a legislação, o prazo de 12 meses para conclusão do processo de inventário e partilha, sob pena de incidência de acréscimo e multa sobre o Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação – ITCMD. Com vistas e se evitar a penalidade durante a pandemia, fica suspensa a contagem desse prazo de 12 meses, a partir de 12 de junho de 2020, para os inventários instaurados antes de 1º de fevereiro de 2020, voltando a fluir somente após o dia 30 de outubro de 2020.
Da prorrogação da vigência da Lei Geral de Proteção de Dados e a Insegurança jurídica
Primeiramente, esclarece-se que a Lei 13.709/18, popularmente conhecida como Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), inspirada no Regulamento Geral de Proteção de Dados da União Européia, foi criada com o objetivo de estabelecer um criterioso regramento de proteção dos dados pessoais quando do respectivo manuseio/tratamento, tanto em ambiente on-line quanto off-line, pelas pessoas físicas ou jurídicas dos setores privados e público.
Assim, visando adequar-se a este novo contexto de regras, que atingirá o pequeno, médio e grande empresário, as empresas vêm adotando táticas de implementação de políticas corporativas adequadas, realizando treinamentos, bem como contratando recursos de tecnologia da informação, com o fito de respeitar os direitos dos titulares de dados pessoais sejam clientes, fornecedores, empregados, dentre outros e, com isso, evitar as sanções previstas em Lei.
Com alguns artigos já em vigor desde dezembro de 2018 e previsão inicial de vigência total a partir de agosto de 2020, a LGPD sofreu um duro golpe ocasionado pela disseminação da pandemia da COVID-19. Isto porque, se fez necessária a implementação de diversas medidas com a finalidade de conter os prejuízos nos mais variados setores da economia. Neste sentido, primeiramente, foi editada a MP 959/2020, que dentre outras alterações, modificou a data de vigência prevista no inciso II, do artigo 65, da LGPD, para 03.05.2021. Tal inciso se refere a todo o conjunto de regras relacionadas ao processo de tratamento e utilização de dados pessoais. E, recentemente, foi publicada a Lei 14.010/2020, que prorrogou para 01.08.2021 a aplicabilidade das sanções, previstas no inciso I-A do supracitado artigo, a quem descumprir o referido regramento.
E afinal, como ficou a vigência da LGPD? Atualmente temos o seguinte:
- Regras gerais, a exemplo dos órgãos regulamentadores: já em vigor desde 18.12.2018;
- Regras relacionadas às sanções administrativas: entrarão em vigor a partir de 01.08.2021;
- Regras que tratam da prática da proteção de dados: incerteza!! Se houver a conversão da MP 959/2020 em Lei entrarão em vigor a partir de 03.05.2021. Não havendo conversão em Lei, volta a ter aplicabilidade o contido na LGPD, isto é, vigência a partir de 15.08.2020.
Diante deste cenário de insegurança jurídica, e por cautela, a recomendação continua sendo de que as empresas acelerem os procedimentos para a implementação integral das políticas de proteção de dados pessoais, em conformidade com a LGPD, de modo a atender a vigência inicial, mesmo que somente possam ser apenadas por descumprimento a partir de 01.08.2021.
Conclusão e críticas
Havia grande expectativa de aprovação de uma legislação que fosse capaz de trazer um conjunto de medidas jurídicas adequadas a minimizar os efeitos da crise sem precedentes que estamos vivendo.
Denominada de Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado, lamentavelmente notamos uma legislação que não adentrou no mérito de questões importantes à satisfação das necessidades econômicas e sociais de nosso país.
Assim, perdeu o legislador a oportunidade de trazer normas protetivas aos mais vulneráveis, bem como discriminar medidas transitórias hábeis a evitar conflitos no judiciário. Perde a sociedade como um todo, que sofrerá com a abarrotamento dos Tribunais, amargando perdas ainda maiores.
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