Títulos Eletrônicos: Menos papel, mais dados
Edição 4 - Agosto de 2020
A formalização de negócios por meio eletrônico não é, por assim dizer, uma realidade totalmente nova. É inegável, porém, que sua popularização tem se acentuado nos últimos anos.
Nos tempos atuais, diante de um cenário em que o distanciamento social se tornou palavra de ordem, vimos a aceleração desse processo de abandono da documentação em papel para os documentos eletrônicos e digitalizados.
Nas atividades do agronegócio notamos ainda que grandes distâncias separam a área produtiva, a empresa que fornece crédito para o produtor e o Cartório competente, trazendo dificuldade à formalização dos documentos, incorrendo em perda de tempo e dinheiro.
Mas por que a documentação eletrônica/digital ainda não foi implementada efetivamente, especialmente nas negociações envolvendo a cadeia do agronegócio? Porque é um processo novo e, como toda novidade, gera uma resistência inicial, até que após um período de adaptação e se vislumbrem os ganhos.
Nesta edição buscamos esclarecer algumas dúvidas comuns sobre o tema, bem como trazer os fundamentos para a segurança jurídica da documentação nesse “novo” formato.
Primeiramente, a fim de diferenciarmos os títulos escriturais dos títulos eletrônicos cumpre relembrar o que são os títulos de crédito, bem como quais os elementos essenciais à sua validade.
O título de crédito funciona como meio de pagamento e instrumento de crédito ou de investimento e somente produz efeito quando preenchidos todos os requisitos legais quanto ao seu conteúdo, diferenciando-se dos contratos, onde as partes têm liberdade para dispor o teor das cláusulas.
Nesse cenário, os títulos de crédito apresentam três elementos essenciais: a literalidade, a autonomia e a cartularidade.
Com relação à cartularidade, nota-se a exigência de apresentação formal do documento para o exercício do direito, pressupondo-se o documento em papel impresso. Contudo, cabe destacar que o princípio da cartularidade foi previsto em outro contexto, onde a praxe dos negócios era documentada em papel impresso, o que já não se aplica atualmente.
Nesse sentido, temos a recém editada “Nova Lei do Agro”- Lei nº 13.986/2020, a qual prevê a possibilidade de diversos títulos serem emitidos de forma escritural – como, por exemplo, as CPRs e CPR-Fs, a Cédula Imobiliária Rural (CIR), a Cédula de Crédito Bancário, a Cédula de Crédito Rural, dentre outros – sendo permitida a assinatura eletrônica dos títulos nos exemplos citados. Tendo em vista as dificuldades enfrentadas no setor, essa medida pretende agilizar a formalização dos títulos, bem como dar maior transparência às negociações.
Ademais, a diferença entre os conceitos de título escritural e títulos eletrônicos/digitais ainda desperta certa confusão, sendo costume achar que ambas nomenclaturas tratam do mesmo conceito, o que não é correto.
O título escritural é o oposto do título cartular, sendo constituído com sua escrituração, ou seja, com o lançamento de suas características em sistema eletrônico de escrituração. Em contrapartida, o título eletrônico é apenas o contrário de um título emitido em meio físico (analógico/papel) e constituem-se pela sua emissão e assinatura em meio eletrônico.
Muito embora o receio de alguns operadores do direito, diante do antigo princípio da cartularidade, tanto os títulos eletrônicos quanto os títulos escriturais são válidos, como veremos no decorrer deste Boletim.
É comum que haja confusão quando se fala em assinatura digital e assinatura eletrônica, embora possamos ter a impressão de que se trata de uma única modalidade, seus conceitos são diferentes.
Ambas possuem validade jurídica e acompanham a inovação digital, com o intuito de facilitar a obtenção das assinaturas das partes.
Dentre os benefícios em abandonarmos à assinatura em documento impresso, destacamos maior agilidade nas negociações, redução nos custos, com a desnecessidade de reconhecimento em cartório e deslocamentos; além de estar em linha com pautas ambientais, através da redução da quantidade de impressões de documentos em papel.
A assinatura eletrônica é um gênero do qual a digital é espécie. Ou seja, toda assinatura digital é eletrônica, mas nem toda assinatura eletrônica é digital.
A assinatura eletrônica refere-se a todos os métodos de assinaturas para documentos eletrônicos que coleta evidências, podendo ser através de senhas digitais, tokens, biometria e até mesmo assinatura feito a punho e escaneada. Ela não utiliza um Certificado Digital para verificação da autenticidade.
Para possuir valor jurídico essa modalidade de assinatura deve apresentar três requisitos, sendo eles: integridade, garantindo que o documento não tenha sido fraudado, modificado e/ou adulterado; autenticidade, onde há a identificação do autor da assinatura através de uso de chaves privadas que garantem sua autoria; e registro da assinatura, que é possibilidade de se verificar quando e como foi realizada.
A assinatura eletrônica atende as normas da MP n° 2.200-2, sendo juridicamente válida desde que acordada entre as partes que assinam o documento.A partir dela surge a assinatura digital, que nada mais é que um dos tipos existentes de assinatura eletrônica. No entanto, se difere das demais modalidades por ser uma assinatura criptografada, se vinculando ao teor do documento. Nesse sentido, caso haja qualquer tipo de alteração no documento previamente assinado de forma digital, a assinatura perderá sua validade.
Importante destacar que para que possua validade, a assinatura digital necessita de um certificado emitido por autoridade certificadora como, por exemplo, ICP-Brasil.
O certificado é um documento eletrônico que terá a finalidade de confirmar a autenticidade dessa assinatura, e somente ele poderá ser utilizado para esse fim. Para emitir o certificado é necessário realizar o pagamento de taxas, de acordo com a autoridade certificadora utilizada e, posteriormente, realizar o registro da assinatura, momento em que será escolhido qual o método a ser usado, como por exemplo, uma chave eletrônica ou token.
Destaca-se que essa modalidade de assinatura passou a ser obrigatória a empresas com mais de 3 funcionários. Essa obrigatoriedade surgiu devido à necessidade de certos procedimentos específicos, como por exemplo, para a emissão da nota fiscal eletrônica.
Esclarecidas as diferenças conceituais entre a assinatura eletrônica e digital, na sequência deste Boletim, passaremos a abordar os fundamentos legais que embasam sua validade, bem como a posição do judiciário sobre o tema.
Medida Provisória 2.200-2/2001, de 24/08/2001: institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-BRASIL), dando um importante passo para a certificação e reconhecimento de validade de documentos assinados por meio eletrônico e digital.
24/08/2001 – Medida Provisória 2.200-2/2001 – Institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-BRASIL).
A MP, inclusive, não conferiu status de legalidade e integridade apenas à assinatura via certificado digital, mas a qualquer outra forma de assinatura eletrônica, desde que admitida pelas partes como válida ou aceita pela pessoa a quem for oposto o documento.
10/01/2002 – Lei nº 10.406/2002 – Código Civil – (Arts 104, 107 e 441) – validade jurídica dos documentos eletrônico/digitais.
Na modalidade de assinatura digital, que como vimos é uma das espécies de assinatura eletrônica, a MP prevê a validade da assinatura obtida através de certificadoras públicas, privadas, e não governamentais, ampliando e facilitando sua obtenção, uma vez que já existem diversas empresas que fazem certificação digital e utilizam tecnologias próprias.
19/12/2006 – Lei nº 11.419/2006 – Lei do processo eletrônico – Dispõe sobre a digitalização do processo judicial.
Com relação à assinatura eletrônica, a consolidação de um documento por meio de uma plataforma que utilize login/senha, e posterior inserção da imagem de sua firma, por exemplo, possui validade jurídica plena, tanto quanto a autenticação por certificado digital, nos termos dos Arts. 1º e 10, § 2º da Medida Provisória 2.200/2001-2. Esse tipo de celebração vem sendo amplamente utilizada em muitos segmentos pela sua praticidade.
18/03/2020 – Decreto nº 10.278/2020-2/2001 – Estabelece os requisitos legais para a digitalização de documentos, para produzirem os mesmos efeitos de documentos originais.
Código Civil (Lei nº 10.406/2002): A legislação brasileira, em regra, não exige qualquer formalidade instrumental como condição para a validade de um documento. Ou seja, não somente os documentos em papel possuem validade jurídica plena, mas também os documentos eletrônico/digitais.
07/04/2020 – Lei nº 13.986/2020 – Nova Lei do Agro – Permite a emissão de títulos escriturais e com assinatura eletrônica.
Esse entendimento é assegurado pelos Arts. 104 e 107 do Código Civil, que tratam do princípio da liberdade de forma, que transmite a ideia de que, independentemente da forma, ficando clara a vontade das partes, o documento será válido, salvo nas hipóteses em que Lei preveja formalidade instrumental específica para o documento.
17/07/2020 – Resolução STF nº 693 – Institui Regulamenta o processo judicial eletrônico no âmbito do Supremo Tribunal de Justiça.
Vale destacar ainda, o Art. 441 do Código Civil, que reitera sobre a validade dos documentos eletrônicos, com a seguinte redação: “Serão admitidos documentos eletrônicos produzidos e conservados com a observância da legislação específica”.
Lei do Processo Eletrônico (Lei nº 11.419/2006): o uso de documentos eletrônicos passou a ser aceito pelo Poder Judiciário, quando assinados digitalmente. A Lei representa a manifestação favorável ao uso do documento eletrônico, pela própria Justiça, acolhendo-os em todos os seus efeitos jurídicos e legais. Sendo realizado então, o desenvolvimento do Processo Judicial Eletrônico (PJE), que gradualmente vem substituindo os processos físicos nos tribunais brasileiros, já sendo uma realidade quase que integralmente na Justiça do Trabalho.
Decreto Federal nº 10.278/2020: estabelece a técnica e os requisitos para a digitalização de documentos públicos ou privados, a fim de que os documentos digitalizados produzam os mesmos efeitos legais dos documentos originais. O documento digitalizado se equipara ao documento físico para todos os efeitos legais, e para a comprovação de qualquer ato que envolva relações entre particulares, qualquer meio de comprovação da autoria, da integridade e, se necessário, da confidencialidade de documentos digitalizados será válido, desde que escolhido de comum acordo pelas partes ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento.
Sendo que, na hipótese de não ter havido acordo prévio entre as partes, aplicam-se às exigências especificadas previstas no Art. 5º do Decreto: (i) ser assinado digitalmente com certificação digital no padrão da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil), de modo a garantir a autoria da digitalização e a integridade do documento e de seus metadados; (ii) seguir os padrões técnicos mínimos previstos; e (iii) conter, no mínimo, os metadados especificados.
Ademais, o processo de digitalização poderá ser realizado pelo possuidor do documento físico ou por terceiros, sendo que cabe ao possuidor a responsabilidade perante terceiros pela conformidade do processo de digitalização ao disposto no Art. 8º do Decreto.
Após o processo de digitalização realizado, o documento físico poderá ser descartado, com exceção daquele que apresente conteúdo de valor histórico.
Nova Lei do Agro (Lei nº 13.986/2020): possibilita a emissão de vários títulos como, Cédula de Produto Rural (CPR), Cédula de Produto Rural Financeira (CPR-F), Certificado de Depósito Bancário (CDB), Certificado de Depósito Agropecuário (CDA), Warrant Agropecuário (WA), Certificado de Direitos Creditórios do Agronegócio (CDCA), Cédula de Crédito Bancário (CCB), Nota Promissória Rural (NPR), Duplicata Rural (DR), Cédula Imobiliária Rural (CIR), de forma cartular (papel) ou escritural (eletrônica), sendo que se admite expressamente a assinatura eletrônica de tais títulos, inclusive para fins de validade, eficácia e executividade, com base na legislação ora vigente.
Provimentos 89, 94 e 100 do Conselho Nacional de Justiça-CNJ:
Provimento 89 de 01/01/2020: regulamenta a implementação do Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis (“SREI”), previsto no Art. 76 da Lei nº. 13.465/2017, determinando sua implementação até 2 de março de 2020.
Através dessa plataforma, os usuários podem solicitar certidões imobiliárias e outras informações que desejarem de forma eletrônica, junto aos Cartórios de Registro de Imóveis.
A implementação do SREI, tem por objetivo a universalização das bases de dados e a interconexão das serventias de registro imobiliário, bem como a garantia da segurança da informação e a continuidade da prestação do serviço público de registro de imóveis.
Provimento 94 de 28/03/2020: assegura a continuidade da prestação do serviço de registro de imóveis, através de sistema de plantão presencial e atendimento à distância.
- Com objetivo de regular o serviço mínimo e essencial dos registros de imóveis à população, o Provimento vai além, desburocratizando o registro imobiliário:
- Os Cartórios não deixarão de praticar atos, nem estarão com prazos suspensos;
- As certidões de matrículas requisitadas através do SREI, deverão ser disponibilizadas ao solicitante em até duas horas após a confirmação do pagamento das taxas;
- Certidão emitida online pode ser impressa e sua “cópia simples” produz todos os efeitos de direito;
- Protocolos via internet;
- Utilização de e-mail;
- Uso dos correios, mensageiros ou qualquer outro meio seguro para recebimento e devolução de documentos físicos.
Destacamos ainda que o Provimento é claro ao determinar que os Cartórios não devem interromper suas atividades, mesmo que não atendam ao público presencialmente. Seus prazos continuarão contando (mesmo que em dobro) e o uso do Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis é mandatório para viabilizar as certidões e protocolos.
Tal como previsto no Provimento, o plantão de atendimento à distância terá duração de, pelo menos, 4 horas e será efetuado pelos meios de comunicação disponíveis (telefones fixo e celular, WhatsApp, Skype, dentre outros) a serem informados ao público. Já nos casos em que houver necessidade de manutenção do atendimento presencial, este deverá ter duração não inferior a 2 horas.
Provimento 100 de 26/05/2020: dispõe sobre prática de atos notariais eletrônicos utilizando o sistema e-Notariado, cria a Matrícula Notarial Eletrônica-MNE, dentre outras providências, com intuito de modernizar e padronizar o serviço extrajudicial prestado pelos agentes e facilitar a sua disponibilização aos usuários.
A fim de unificar a prestação de serviços de forma tecnológica e moderna dos atos notariais eletrônicos ficará ao encargo da plataforma digital denominada e-Notariado, que será disponibilizada na internet pelo Colégio Notarial do Brasil – Conselho Federal, o que facilitará a realização de atos notariais à distância, dispensada a presença física dos usuários.
Além da criação da CENAD: Central Notarial de Autenticação Digital, que consiste em uma ferramenta para autenticar os documentos digitais, com base em seus originais, que podem ser em papel ou natos-digitais para a prática do ato notarial eletrônico, o Provimento estabelece os seguintes requisitos:
I – Videoconferência notarial para captação do consentimento das partes sobre os termos do ato jurídico;
II – Concordância expressa das partes com os termos do ato notarial eletrônico;
III – Assinatura digital pelas partes, exclusivamente através do e-Notariado;
IV – Assinatura do Tabelião de Notas com a utilização de certificado digital ICP-Brasil;
V – Uso de formatos de documentos de longa duração com assinatura digital.
De acordo com a legislação processual, os atos notariais eletrônicos reputam-se autênticos e detentores de fé pública.
Serviços do Portal dos Cartórios de Registros de Imóveis
O Portal dos Cartórios de Registros de Imóveis (https://www.registrodeimoveis.org.br/) é fomentador da transição do papel para o digital , revestindo-a da segurança jurídica inerente à atividade registral.
Para isso dispõe de uma plataforma de fácil acesso para pessoas físicas e jurídicas oferecendo uma ampla gama de serviços, que pontuamos a seguir:
- Coleta de assinaturas para aqueles que não dispõe de um assinador;
- Digitalização de documentos originalmente formalizados em papel (devendo cumprir a exigências da Lei nº 12.682/2012 e, portanto, contar com assinatura com certificado ICP-Brasil do solicitante da digitalização;
- Pedido de registro de documento já assinado por todas as partes ou pedido de registro de documento a ser assinado eletronicamente também pela plataforma.
A validade do ato praticado pode ser atestada por um formulário padronizado com os dados do registro que contém, inclusive, um QR Code para verificação do conteúdo. A partir daí, qualquer pessoa com acesso ao QR Code pode consultar a autenticidade do documento sem precisar, necessariamente, do documento eletrônico em sua íntegra. A segurança jurídica do ato deixa de se vincular a um papel e passa a se vincular a um sistema, colocando a tecnologia a serviço da necessidade jurídica das partes.
Não há impedimento, portanto, para a admissibilidade de documentos assinados eletronicamente, seja pelos Cartórios de Registro de Títulos e Documentos (RTDs) ou pelo Cartórios de Registros de Imóveis (CRIs) que, inclusive, admitem além das assinaturas que contam com certificados reconhecidos pelo ICP-Brasil, aquelas certificadas por sistemas que se enquadram no §2º, Art. 10º, da MP 2.200-2/2001¹, cujas emissões não são realizadas pelo ICP-Brasil. Neste segundo cenário, o reconhecimento da validade da chave adotada cabe às partes.
Destaca-se também a possibilidade da transição de um ato iniciado no meio físico para o meio eletrônico. Caso uma das partes do ato jurídico não possua assinatura eletrônica – ou encontre dificuldades em seguir dessa forma – sua assinatura poderá se dar na via física do documento que será digitalizado no serviço disponível pelo Portal dos Cartórios de Registros de Imóveis, supramencionado, recebendo as demais assinaturas pendentes, por meio eletrônico.
Central RTD Brasil
Paralelamente, no âmbito dos Cartórios de Títulos e Documentos, a Central Nacional de Registro de Títulos e Documentos e de Registro Civil de Pessoas Jurídicas (http://www.rtdbrasil.org.br), oferece serviços de coleta de assinaturas com certificado digital, registro de documentos e arquivo digitais, pedidos de certidão, notificação extrajudicial em caso de inadimplemento contratual, consulta para verificar a validade de registros e certidões (via QR-code) e a autenticação de livros contábeis de forma totalmente eletrônica.
Lavratura de atos por meio eletrônico
Como vimos, o Provimento nº 100, de 26/05/2020, dispôs acerca da possibilidade de lavratura de atos notariais por meio eletrônico, devendo esta se dar por meio de videoconferência que capte o consentimento das partes diante do objeto e preço do negócio em questão. Tal videoconferência deve permitir a identificação, a demonstração de capacidade, a livre manifestação das partes, além das informações de data e horário e a indicação do livro em que o ato será lavrado.
Além disso, são requisitos para prática do ato notarial por meio eletrônico a assinatura digital pelas partes, a assinatura do Tabelião de Notas (com certificado digital emitido pela ICP-Brasil) e o uso de formatos de documentos de longa duração com assinatura digital.
A lavratura do ato notarial eletrônico se dará exclusivamente à plataforma e-Notariado (http://www.e-notariado.org.br) para realização da videoconferência notarial para captação da vontade das partes e coleta das assinaturas digitais.
O que vem por aí
Está em desenvolvimento a CURG (Consulta Unificada de Restrições e Garantias), uma base de dados que permitirá acesso unificado às informações referentes a garantias e restrições judiciais e/ou administrativas relacionadas a um bem em específico, em nível nacional. Tal sistema condensará dados hoje esparsos entre Cartórios de Títulos e Documentos e Cartórios de Registros de Imóveis de todo o país.
A implementação do CURG significará um alívio especialmente na análise de crédito para financiamento nas cadeias do agronegócio, já que facilitará o acesso às restrições de um bem onerado, trazendo transparência e agilidade às operações.
Na prática ainda é comum haver resistência à documentação eletrônica seja no setor público ou privado, especialmente quanto aos títulos de crédito, haja vista o princípio da cartularidade, que, como vimos, regeu por muitos anos as relações jurídicas comerciais no país. Assim, a evolução para eliminação do papel é mais cultural do que jurídica.
O Poder Judiciário vem passando por processo de modernização, de modo que adotou o trâmite do processo judicial eletrônico que tem ganhado forças nos últimos tempos.
Neste sentido, a jurisprudência tem considerado os avanços tecnológicos e os novos meios de celebração de contratos, no qual o sujeito está cada vez mais conectado à tecnologia, prezando pela celeridade nos negócios jurídicos e valendo-se da praticidade na contratação por meio virtual, do uso da assinatura de documento de forma eletrônica ou digital, os quais são dotados de integridade, autenticidade e validade jurídica.
A exemplo disso, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal em uma ação de cobrança de multa contratual e mensalidades vencidas decorrentes de contrato de prestação de serviços de informática, concluiu pela validade do negócio jurídico celebrado virtualmente pelos contratantes, mesmo não tendo as partes cópia física do instrumento particular, justificando que: Cumpre destacar que hodiernamente não se olvida da higidez dos contratos celebrados virtualmente, como é o caso presente; em sendo assim, uma vez que a ré não questionou nenhuma das cláusulas ali constantes, tendo inclusive pago regularmente o preço e feito diversas observações sobre a prestação de serviços utilizando-se do mesmo meio virtual, inclusive quanto ao reajuste do valor da mensalidade e à pretendida resilição antecipada, não resta dúvida quanto à existência, validade e eficácia do contrato, em todas as suas cláusulas, por se tratar de uma questão de segurança jurídica e boa-fé contratual (TJ/DF, nº 0701849-53.2017.8.07.0016, publicado em 14.11.17).
Em caso semelhante, também apreciado pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal, em que a parte devedora pleiteava a declaração de inexistência de débito decorrente de contrato virtual de prestação de serviços de publicidade com o Google, restou consignado na decisão da turma julgadora que: Considera-se manifestação de vontade o ato de acionar o botão de aceite, independentemente de o aderente ter lido, ou não, as condições impostas pelo contratado (TJ/DF, processo nº 0739518-88.2017.8.07.0001, publicado em 28/08/2018).
Vale alertar que nos contratos virtuais em que o usuário seleciona a opção “aceite”, automaticamente considera-se manifestado sua vontade e submetendo-se a ciência dos termos e condições contratuais previamente estabelecidos independentemente se houve ou não a leitura prévia do documento, igualmente com o que ocorre com a contratação de serviços prestados por ligação telefônica, no qual o aderente manifesta sua declaração de aceitação nas teclas do smartphone.
O Superior Tribunal de Justiça, a partir do julgamento do Recurso Especial nº 1.495.920-DF, sedimentou o entendimento da validade do contrato com assinatura eletrônica, no qual o relator do caso Paulo de Tarso Sanseverino asseverou que: […] à revolução tecnológica que tem sido vivida no que toca aos modernos meios de celebração de negócios, que deixaram de se servir unicamente do papel, passando a se consubstanciar em meio eletrônico”. O Ministro seguiu defendendo a validade do contrato eletrônico: A assinatura digital de contrato eletrônico tem a vocação de certificar, através de terceiro desinteressado (autoridade certificadora), que determinado usuário de certa assinatura a utilizará e, assim, está efetivamente a firmar o documento eletrônico e a garantir serem os mesmos os dados do documento assinado que estão a ser sigilosamente enviados.
Assim, a força executiva dos contratos celebrados em ambientes eletrônicos representa o momento tecnológico dos dias atuais e do processo de desburocratização das relações contratuais, além de conferir celeridade na ação de execução dos instrumentos particulares e rapidez na recuperação do crédito e/ou cumprimento de eventual obrigação ajustada, haja vista que o ajuizamento de processo de conhecimento para formação do título judicial para somente então atribuir força executiva ao contrato eletrônico, torna-se opcional.
No que diz respeito aos títulos de crédito eletrônicos ou aqueles assinados de forma digital, estes também não perdem a respectiva força executiva, de modo que o ordenamento jurídico e a jurisprudência tem amplamente aceito essa nova forma de emissão e circulação dos títulos.
Em 2014 no Rio Grande do Sul, o Tribunal Estadual concluiu pela possibilidade de execução de uma cópia de cédula de crédito bancário autenticada por certificado digital que havia sido registrada em Cartório de Título e Documentos. O entendimento do desembargador foi de que a autenticidade do certificado digital podia ser facilmente conferida pelo site do Tabelionato em que o documento fora registrado. Defendeu ainda que: “Não há, assim, razão plausível, de natureza jurídica ou prática, para não se reconhecer a validade dos certificados de autenticidade digital disponibilizados pelos ofícios registrais. Aliás, o próprio Poder Judiciário vem se utilizando dos avanços proporcionados pelos meios eletrônicos, por intermédio da assinatura digital, lançada nas decisões proferidas pelos Magistrados” (TJ/RS, processo nº 0498712-62.2014.8.21.7000).
O mesmo Tribunal citado acima reconheceu ainda a validade jurídica de nota promissória emitida eletronicamente e com assinatura digital junto ao ICP-Brasil (Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira). A sentença do juiz de primeiro grau havia julgado procedente o pedido do devedor para declarar inexigibilidade do débito e sustação de protesto por não constar “informação relativa à validade da assinatura lançada no documento”. Os Desembargadores reformaram totalmente a decisão e destacou que “[…] os documentos produzidos digitalmente possuem presunção de veracidade” (TJ/RS, Apelação Civil nº 70078458387).
Já no estado de São Paulo, o Tribunal de Justiça determinou a conversão da Ação de Execução de uma Cédula de Crédito Bancário emitida eletronicamente no valor de R$ 68.590,85, para o rito de conhecimento em decorrência da empresa Clicksign Log – emissora do certificado digital – não ser credenciada junto à autoridade certificadora do ICP-Brasil. No acórdão, o relator destacou que: “Embora a possibilidade de contrato eletrônico com assinatura digital formar título executivo extrajudicial, o fato é que se exige o credenciamento prévio da entidade certificadora para a validação do certificado digital, de acordo com a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira ICP- Brasil, para verificação da autenticidade do procedimento”. Dessa forma, não há nenhuma irregularidade se o título de crédito for assinado de forma eletrônica ou digital, permanecendo presentes todos os requisitos de certeza, liquidez e exigibilidade das cártulas, contudo, a autoridade certificadora deve ser credenciada junto ao ICP-Brasil, sob pena de invalidade da assinatura (TJ/SP, processo nº 2289091-25.2019.8.26.0000).
Daí a importância de constatar previamente se a empresa emissora do certificado digital encontra-se devidamente credenciada à autoridade certificadora, cuja lista poderá ser encontrada no site do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação:
https://www.iti.gov.br/icp-brasil.
Conclui-se, portanto, que, à luz da jurisprudência pátria, os documentos celebrados virtualmente ou aqueles assinados de forma digital ou eletrônica são juridicamente válidos, dispensado assim, o uso da assinatura física e reconhecimento de firma, com exceção daqueles certificados emitidos por autoridade não credenciadas perante a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP Brasil), os quais serão considerados sem efeito jurídico e invalidade do selo digital.
Em conformidade com o Art. 784, inciso III, do Código de Processo Civil,, para que um documento se constitua em título extrajudicial válido para plena execução, se faz necessária a assinatura de duas testemunhas.
Recente julgado do Supremo Tribunal de Justiça, ainda sem força para gerar repercussão nos demais tribunais brasileiros e que, portanto, pode gerar decisões diferentes a depender do entendimento de cada juiz, validou a eficácia de contrato particular firmado em meio eletrônico com a assinatura digital das partes e sem a presença de testemunhas. Este posicionamento vai de encontro com os Tribunais de Justiça que acabam por não reconhecer a força executória imediata de títulos sem a presença do requisito formal da assinatura de duas testemunhas.
Entretanto, após a decisão supracitada do STJ, alguns tribunais, como o de São Paulo, já vêm adotando o mesmo entendimento, isto é, conferindo validade aos contratos eletrônicos com assinatura digital somente das partes.
A título exemplificativo, na apelação cível de n. 1001926-29.2019.8.26.0003, a 19ª Câmara de Direito Privado do TJ de São Paulo, através de acórdão publicado em 16.04.2020, considerou válido um instrumento particular de cessão e transferência de direitos creditórios assinado eletronicamente, mesmo com a assinatura de apenas uma testemunha, utilizando como referência, dentre outros argumentos, a supracitada decisão do STJ.
Nesta mesma linha, a 9ª Câmara do TJ-SP também considerou válido aditivo de contrato de fomento mercantil assinado pelas partes de forma eletrônica, realçando a desnecessidade de observância do requisito da assinatura de duas testemunhas, quando a assinatura das partes se deu por meio eletrônico. O entendimento pode ser conferido na apelação cível de n. 1073533-39.2018.8.11.26.0100.
Os fundamentos deste novo posicionamento se amparam no avanço tecnológico atual, que visa agilizar os procedimentos e, dessa forma, dispensariam algumas formalidades exigidas nos contratos e/ou títulos físicos, e principalmente no fato de que a autoridade certificadora de assinaturas digitais, conhecida por ICP-Brasil e utilizada para a autenticidade conferida, inclusive, aos processos eletrônicos, substituiria a força dada pela assinatura das testemunhas.
Diante deste novo contexto, verifica-se que a dispensa da presença de testemunhas na formalização de contratos se aplica apenas nos casos em que as partes tenham assinado digitalmente e através de certificadoras oficiais. Temos que até mesmo antes dos efeitos ocasionados pela disseminação da COVID-19, já estávamos diante de uma tendência de flexibilização de normas jurídicas e até mesmo alguns procedimentos junto a órgãos federais e Cartórios frente aos avanços digitais e tecnológicos que a sociedade vem se adaptando diariamente e, cremos que os contratos eletrônicos se encontram dentro dessa nova realidade.
Portanto, apesar de ainda ser recomendável o preenchimento de todos os requisitos formais para a confecção de contratos, inclusive com a colheita de assinatura de 2 testemunhas, é interessante se atentar a esta modernidade cada vez mais proeminente nos dias tecnológicos e digitais da atualidade.
Ante o volume e a necessidade de recuperação, disseminação e segurança das informações, o uso do papel começa a nos mostrar suas limitações.
Restou demonstrada a segurança jurídica em operar-se a documentação em formato eletrônico, seja por toda a legislação que regulamenta o tema, mas também o posicionamento dos tribunais.
Outrossim, as atividades do agronegócio no Brasil já se revestem de vasta modernidade, sendo o país um dos pioneiros tecnológicos no setor. Agora é momento de investirmos em instrumentos que desonerem nosso operacional, utilizando-se da tecnologia que claramente nos é favorável. Devemos experienciar, portanto, pois quanto mais players estiverem utilizando-se de documentos em meios eletrônicos, mais rápido o mercado se consolidará.
Complementarmente, faz-se necessário maior investimento público no setor de comunicação. Ainda que avanços tenham ocorrido nos últimos tempos, a conectividade no campo permanece aquém da ideal para que sejam eliminadas por completo as barreiras logísticas na formalização de documentos, mesmo se falarmos de meios eletrônicos.
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