O Superior Tribunal de Justiça (STJ) analisou recentemente um tema que interessa — e muito — às empresas atuantes no setor agro: afinal, o crédito que uma cooperativa de crédito tem a receber de um cooperado entra ou não na recuperação judicial?
No agronegócio, setor que tem visto um aumento nos pedidos de recuperação judicial, a discussão sobre créditos de cooperativas interessa. Muitos produtores valem-se das cooperativas para crédito e insumos, e excluir estes créditos da recuperação impacta diretamente os demais credores.
Como não é de se estranhar, o tema é cercado por polêmicas, e adiante veremos os pontos de inquietude sobre a questão. O fato é que, na recente decisão, e como uma forma de tentar acalmar a controvérsia, o STJ definiu que se o crédito decorre de ato cooperativo, ele não se submete à recuperação judicial.
No caso concreto, uma empresa em recuperação judicial havia tomado crédito junto a uma cooperativa de crédito, formalizado por cédula de crédito bancário. A cooperativa pediu que esse crédito ficasse fora dos efeitos da RJ, alegando que se tratava de ato cooperativo. O STJ concordou, entendendo que a operação estava dentro dos objetivos sociais da cooperativa e era, portanto, um ato cooperativo típico.
Mas essa decisão, embora reforce um caminho, não encerra a controvérsia. Pelo contrário: traz à tona outras faces desta discussão já que, quando dá uma resposta, abre diversas outras perguntas.
Isto porque, por definição, um ato cooperativo é uma operação realizada entre uma cooperativa e seus associados que está diretamente ligada aos objetivos sociais da cooperativa, baseada na ajuda mútua e no benefício coletivo, afastando esta definição daquelas decorrentes de operações típicas do mercado.
Mas a prática de mercado mostra que muitas cooperativas hoje impõem aos seus associados condições semelhantes aos bancos— juros, garantias, prazos, penalidades — sem, necessariamente, manter o espírito de mutualismo que define o modelo cooperativo. É certo que existem argumentos para justificar esta prática, mas o ponto é: qual a efetiva diferença deste ato para uma operação financeira tradicional?
Será que toda operação entre cooperativa e cooperado deve mesmo ser tratada como “ato cooperativo”, blindando o crédito da RJ? Ou devemos olhar com mais profundidade para a natureza do negócio, analisando se ele realmente atende ao fim social da cooperativa ou se configura um típico ato de mercado travestido de mutualismo?
A decisão do STJ adotou uma posição mais protetiva ao modelo cooperativo, considerando que o fato de ser uma operação financeira não descaracteriza, por si só, o ato cooperativo. Mas será que esta posição não cria, indiretamente, um privilégio competitivo para as cooperativas frente a bancos, financeiras ou fornecedores que atuam em condições semelhantes e não contam com a mesma blindagem?
O STJ não fugiu da discussão, mas no caso em análise não entendeu que não havia ali algo capaz de afastar a natureza de ato cooperativo da operação, e foi claro na distinção desta para uma operação mercantil, já que cooperativas de crédito têm estrutura jurídica distinta dos bancos, são voltadas exclusivamente ao atendimento de seus associados por meio da mutualidade, além do fato de que estarem submetidas à regulação do Sistema Financeiro Nacional não descaracteriza seu regime jurídico próprio, e que a cobrança de juros não afasta o caráter cooperativo das operações, já que serve para sustentar os serviços prestados aos próprios cooperados. Mas há de se ponderar se este entendimento, claramente expressado com base em um caso concreto, pode ser visto como suficiente para replicar a regra para o todo.
No fim das contas, a decisão do STJ reafirma a segurança jurídica da letra da lei, mas deixa em aberto um ponto essencial: é preciso olhar o conteúdo da operação, e não só sua embalagem.
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Número do recurso: RECURSO ESPECIAL Nº 2091441 – SP (2023/0281335-4)