Devedores se valendo da recuperação judicial para fraudar credores extraconcursais. Até quando?

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O Tribunal de Justiça de São Paulo, em recente julgamento de Agravo de Instrumento, não tolerou essa prática e deu provimento ao recurso de um credor extraconcursal, reformando a decisão de primeiro grau e indeferindo a inicial.

O caso em análise se refere a um pedido de recuperação judicial com tutela de urgência, apresentado por uma empresa de transportes que buscava a declaração de essencialidade de seus veículos.

O magistrado da Comarca de São José do Rio Preto determinou a constatação prévia para verificar as reais condições da empresa. Entendendo presentes os requisitos de perigo de dano e a probabilidade do direito, deferiu a tutela de urgência, suspendeu as execuções e declarou a essencialidade dos veículos. Após a constatação prévia, o processamento da recuperação judicial foi deferido.

Inconformado, um dos bancos credores, titular de crédito com garantia de alienação fiduciária – portanto extraconcursal – interpôs Agravo de Instrumento. Alegou, em síntese, a ausência de comprovação da essencialidade dos bens gravados e requereu o afastamento da referida essencialidade ou alternativamente, a realização de perícia.

Durante a análise, constatou-se que a empresa distribuiu o pedido de recuperação na mesma data em que outras empresas – sediadas no mesmo endereço, embora não configurassem grupo econômico – também o fizeram. Curiosamente, todas haviam alterado suas sedes dias antes, para um endereço próximo ao escritório de advocacia que as representa.

Além disso, o passivo concursal aquele efetivamente sujeito à recuperação judicial – representava apenas 3,76% do total da dívida. O restante, 96,24% , dizia respeito a créditos garantidos por alienação fiduciária, ou seja, extraconcursais.

Ainda que veículos possam ser essenciais à atividade de transporte, é essencial verificar de forma aprofundada se todos os veículos realmente são essenciais a uma empresa sob recuperação. No presente caso, restou evidente que a intenção era justamente afetar os credores extraconcursais, titulares de quase a totalidade do passivo.

Evidenciando ainda mais a intenção de fraude, verificou-se que os financiamentos para compra dos veículos ocorreram cerca de 3 anos antes do pedido de recuperação, com refinanciamentos firmados às vésperas da distribuição e quase nenhuma parcela paga. O passivo aumentou, na véspera do pedido de recuperação, de R$ 27.084,00 para R$9.927,204,00.

Ademais, a empresa aumentou em grande percentual os seus ativos nos anos anteriores, com a compra dos veículos inadimplindo os financiamentos, buscando através da essencialidade dos bens, suspender as execuções.

Diante de todos esses indícios, o Tribunal de Justiça de São Paulo, com fundamento no artigo 51-A § 6º da LREF e 485, I, do CPC, deu provimento ao recurso e indeferiu de ofício a inicial. Nas palavras do Desembargador Grava Brazil a medida era necessária sob pena de se desacreditar o instituto e, sobretudo, trazer insegurança jurídica e efeitos nefastos para o mercado de crédito.

A decisão do Tribunal foi acertada e necessária para resguardar a segurança jurídica nas relações comerciais. É preciso aplicar o artigo 51-A § 6º da LREF quando verificados indícios de fraude para coibir a tentativa mascarada – e muito utilizada – de recuperação judicial como forma de prejudicar credores extraconcursais e desestabilizar o mercado.

Número do Agravo de Instrumento: 2392088-13.2024.8.26.0000

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