Blindagem Patrimonial: O Desafio da Recuperação de Crédito

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A blindagem patrimonial tem se tornado uma prática comum entre devedores que buscam proteger seus bens de execuções judiciais. No entanto, quando essa prática é utilizada de forma abusiva, ela pode frustrar os direitos dos credores e dificultar a recuperação de crédito. Recentes decisões judiciais, como o acórdão nº 2.095.942/PR da 3ª Turma do STJ, destacam a complexidade dessa questão. Nesse caso, o STJ reformou a decisão do TJ-PR e reconheceu a desconsideração da personalidade jurídica, enfatizando a necessidade de identificar fraudes e abusos.
Para entender melhor como essas fraudes ocorrem, vejamos alguns exemplos comuns de operações fraudulentas que visam a blindagem patrimonial e a ocultação de bens:

  • Alienações Onerosas Simuladas: O devedor supostamente vende um bem, mas continua a administrá-lo por meio de um contrato de mandato. Embora a propriedade seja formalmente transferida, o fraudador mantém o controle sobre o bem alienado, dificultando a recuperação do crédito pelo credor.
  • Constituição de Pessoas Jurídicas em Nome de Terceiros: O devedor cria empresas em nome de terceiros, mas continua a gerir essas empresas como sócio oculto, utilizando mandatos. Essa prática esconde a verdadeira titularidade e controle da estrutura societária, complicando a identificação dos vínculos patrimoniais.
  • Saída Fraudulenta do Sócio Retirante: Um sócio se retira formalmente da sociedade, mas continua a comandar a empresa através de mandatos. Essa fraude permite que o sócio retirante mantenha o controle sem estar formalmente vinculado à empresa, protegendo-se de eventuais execuções.
  • Abertura e Movimentação de Contas em Nome de Terceiros: O devedor utiliza procurações para abrir e movimentar contas bancárias em nome de terceiros, frequentemente familiares. Essa prática dificulta a rastreabilidade dos ativos financeiros do devedor, tornando a recuperação de crédito um desafio ainda maior.

Importante ressaltar que a investigação patrimonial é essencial para revelar as estruturas fraudulentas de blindagem. Este processo examina detalhadamente a movimentação e localização de bens, revelando a verdadeira relação entre o devedor e seu patrimônio. Esse trabalho exige expertise, acesso a informações sigilosas e uma atenção cuidadosa aos detalhes.
A desconsideração da personalidade jurídica é um instrumento jurídico que permite atingir o patrimônio pessoal dos sócios quando há abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou confusão patrimonial. No Brasil, essa teoria é consagrada pelo artigo 50 do Código Civil, que foi recentemente aprimorado pelo § 3º, que dispõe: “É cabível a desconsideração da personalidade jurídica inversa, para alcançar bens de sócio, administrador ou associado que se valeram da pessoa jurídica para ocultar ou desviar bens pessoais, com prejuízo a terceiros.”
Além disso, o Enunciado 283 do Conselho da Justiça Federal reforça essa ideia ao afirmar que “É cabível a desconsideração da personalidade jurídica denominada ‘inversa’ para alcançar bens de sócio que se valeu da pessoa jurídica para ocultar ou desviar bens pessoais, com prejuízo a terceiros.”
A desconsideração inversa da personalidade jurídica é crucial para combater fraudes onde o devedor usa a empresa como um escudo para proteger seus bens pessoais. Aplicando essa teoria, o Judiciário pode atingir os bens que, embora formalmente pertencentes à empresa, são efetivamente controlados pelo devedor.
Apesar da clareza normativa, a aplicação prática dessas teorias enfrenta desafios. Os credores frequentemente se deparam com a necessidade de provar a fraude, o desvio de finalidade ou a confusão patrimonial, o que requer uma investigação patrimonial detalhada e rigorosa. A decisão do STJ no acórdão nº 2.095.942/PR é um passo importante ao reafirmar que a desconsideração da personalidade jurídica deve ser aplicada para proteger os direitos dos credores quando há evidências de abuso.
No entanto, a eficácia dessas medidas depende de uma atuação incisiva do Judiciário e do uso estratégico de ferramentas investigativas como o Sistema de Negócios Inteligentes para Pesquisa e Rastreamento (SNIPER). O SNIPER permite a localização e rastreamento de ativos de forma eficiente, utilizando tecnologia avançada para cruzar dados de diversas fontes. Com essa ferramenta, é possível identificar movimentações financeiras suspeitas, conexões ocultas entre o devedor e terceiros, e até mesmo bens que foram transferidos para dificultar a execução judicial. Contudo, alguns juízos ainda se mostram resistentes ao uso desta ferramenta.
Em resumo, a luta contra a blindagem patrimonial fraudulenta é fundamental para garantir a justiça na recuperação de crédito. A aplicação rigorosa da desconsideração da personalidade jurídica, incluindo sua modalidade inversa, é essencial para atingir os bens de devedores que utilizam subterfúgios para ocultar patrimônio. Precisamos continuar aprimorando nossas práticas e ferramentas investigativas para garantir que os direitos dos credores sejam respeitados e que a justiça prevaleça.

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