No âmbito do agronegócio brasileiro, contratos de compra e venda de commodities com preço a fixar são uma prática comum. No entanto, um recente precedente do STJ trouxe à tona questões importantes relacionadas à liquidez e exigibilidade desses contratos, que podem ter implicações significativas na cobrança de dívidas.
O caso em análise na 4ª Turma do STJ envolveu um contrato de comercialização de soja, onde as partes acordaram em escolher uma data futura de cotação na Bolsa de Chicago para determinar o preço da commodity.
É comum a existência dos ditos contratos com preço a fixar, nos quais se estabelece uma data limite para que as partes realizem a “trava” do preço. No caso em tela, as partes não se atentaram que a data limite constante no contrato cairia num dia não útil, de forma que a compradora, por liberalidade, considerou a data de fixação do preço, o dia imediatamente posterior, ao da data limite constante no contrato.
No entanto, a decisão do STJ enfatizou que, como a data de cotação não foi especificada dentro do prazo estabelecido, o contrato não poderá ser considerado como título executivo.
Vale lembrar que, para que um título seja executivo, ele deve atender a três critérios essenciais: certeza, exigibilidade e liquidez.
A certeza se relaciona com a precisão da obrigação ou dívida apresentada no título. Em um título executivo, a obrigação ou dívida deve ser bem definida e específica. Deve ser evidente quem é o devedor, qual é a obrigação ou dívida a ser paga e sob quais condições. A certeza assegura que não haja ambiguidades sobre o que é devido e sob quais condições. Neste exemplo, a existência de contrato devidamente formalizado e assinado pelas partes e duas testemunhas, configuram a certeza.
Já a exigibilidade se refere à capacidade de forçar o devedor a cumprir a obrigação ou pagar a dívida conforme estipulado no título. Isso significa que a obrigação ou dívida deve estar pronta para ser cobrada legalmente, ou seja, vencida.
Quanto à liquidez, refere-se à clareza e facilidade com que é possível determinar o valor exato que está sendo reivindicado pelo credor. Em outras palavras, o título deve apresentar de forma inequívoca o valor da dívida ou obrigação. Ou seja, caso o contrato não discrimine o valor exato da obrigação à época da assinatura (como é o caso dos contratos com preço a fixar), deve trazer os critérios para a precificação, como órgão responsável pela divulgação, bem como a praça e data de apuração do preço.
De posse de um título executivo, o credor possui meios mais céleres de cobrança, a exemplo da ação de execução para entrega de coisa incerta ou ação de execução para pagamento de quantia certa, a depender do objeto do contrato.
A ausência de um título executivo torna a cobrança de dívidas uma jornada jurídica complexa, frequentemente envolvendo ações de cobrança antes que o devedor possa ser compelido a efetuar o pagamento, dificultando a recuperação do crédito.
Assim, diante da inexistência de cláusula contratual, prevendo com clareza a data a ser considerada no caso de dia não útil, foi decidido pela 4ª Turma do STJ que o contrato não era dotado de liquidez, enfatizando a necessidade de indicação de uma data específica para a cotação. O placar apertado, de 3 votos a 2, a favor da decisão, deixa espaço para possíveis recursos.
Logo, temos que a decisão do STJ serve como um alerta aos atuantes na cadeia do agronegócio brasileiro, na medida em que destaca a importância de elaborar com cautela os contratos, incluindo a data precisa e o local de aferição da cotação. Portanto, é essencial às empresas contarem com assessoria jurídica capacitada, tanto na elaboração e gestão de contratos quanto nos trâmites para efetividade na cobrança.
* Agravo Interno nos Embargos de Declaração no RECURSO ESPECIAL Nº 1.491.537 – MT