O STJ negou provimento ao recurso de Agravo em Recurso Especial, interposto pela parte autora, reafirmando o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJ-PR), segundo o qual a Lei nº 8.929/94 (Lei da CPR) não exige a averbação do endosso no cartório de domicílio do emitente do título de crédito ou em qualquer outro cartório.
Antes de adentrar em todos os fatos e fundamentos que deram ensejo ao recurso perante o STJ, necessário destacar a origem do processo. Assim, vejamos um breve resumo dos acontecimentos no Juízo de primeiro grau:
- A recorrente (autora Cocari) ajuizou ação que visava “Tutela Cautelar em Caráter Antecedente” em face do réu, Banco Indusval S.A., alegando em síntese que:
- A Cocari emitiu CPR em favor da Seara Ind. e Com. de Prod. Agropecuários LTDA., em 16/03/2016, com vencimento em 30/04/2017. A referida CPR foi emitida em garantia ao Compromisso Particular de Compra e Venda de Soja, celebrado em 16/03/2016, em que a Cocari figura como vendedora;
- O contrato de compra e venda foi rescindido pela compradora, em 05/04/2016, devido ao inadimplemento de obrigações pela Cocari;
- A CPR foi endossada em favor do Banco Indusval, com averbação em 26/04/2016;
- A Cocari recebeu notificação do Banco Indusval, em 09/12/2016, informando que a CPR havia sido endossada pela Seara em favor do Banco. O registro do endosso foi feito em cartório;
- Em 27/04/2017, a Cocari recebeu outra notificação do Banco Indusval, advertindo que toda e qualquer entrega do produto deveria ser realizada em seu favor.
Dessa forma, tanto em Primeira quanto em Segunda instância, a Cocari alegou a violação do Artigo 923, §1º do Código Civil e do Artigo 12, §2º da Lei da CPR, enfatizando que: “o banco recorrido não promoveu regularmente a notificação comprobatória do endosso, averbando-o em cartório diverso do que determinado na lei (o de domicílio) e induzindo a cooperativa emitente da CPR em erro, quando diligenciou no cartório de seu domicílio e obteve certidão negativa juntada aos autos originários”. Com isso, segundo entendimento da ora Recorrente Cocari, o ato jurídico do endosso seria inválido.
Além disso, a Recorrente também alegou: “é válida e eficaz perante o endossatário a rescisão com quitação do contrato principal e o cancelamento da CPR, formalizada entre a endossante e os recorrentes devedores (…) tem-se por ineficaz o endosso realizado quando o endossatário não demonstra que os devedores emitentes do título tiveram conhecimento da transferência de titularidade do crédito antes da rescisão, pelo distrato, do contrato principal e consequente cancelamento da CPR (…)”.
Entretanto, apesar da tese desenvolvida pela Recorrente, nota-se do breve histórico destacado acima que, após a formalização e averbação/registro do endosso, a Recorrente Cocari foi devidamente notificada. Aliás, a notificação foi realizada em duas oportunidades, quando da formalização do endosso e próximo ao vencimento da CPR, justamente para reforçar que o cumprimento da obrigação deveria ser realizado em favor do banco Recorrido.
Mesmo na eventual hipótese de ter ocorrido vício na notificação do endosso, tal ato, segundo entendimento do TJ-PR, reforçado pelo STJ, não ensejaria sua invalidade, considerando que “da leitura da Lei da CPR, percebe-se que não há exigência de averbação do endosso, sendo irrelevante se a anotação foi feita no cartório de domicílio da emitente ou não”.
Assim, o próprio relator do Agravo em Recurso Especial, o Ministro Antônio Carlos Ferreira, destacou em sua decisão que: “a tese de que não houve a regular notificação comprobatória do endosso, pois a averbação deveria ter ocorrido no cartório do domicílio do emitente (e-STJ fl. 1.983), não possui pertinência com os dispositivos legais apontados como violados (arts. 923, § 1º, do CC/2002 e 12, § 2º, da Lei n. 8.929/1994)”, razão pela qual foi negado o provimento do recurso.
Note-se que a alegação deduzida pela Cocari, relativa ao registro do endosso no domicílio do emitente, era uma exigência antes da Nova Lei do Agro que trouxe alterações à Lei da CPR, na medida que, havia a necessidade de registro da CPR no domicílio do emitente e no local da garantia, quando diversos.
O registro no domicílio do emitente tinha por objetivo dar publicidade a terceiros quanto à existência da CPR. Ademais, a lei mencionava tão somente a obrigatoriedade do registro da CPR no domicílio do emitente, não havendo qualquer menção à obrigatoriedade do registro do endosso. E este foi justamente o embasamento da decisão.
Destaca-se que em nenhum momento foi mencionado sobre o registro no local da garantia, visto que, neste local o endosso foi regularmente registrado.
Vale ressaltar que, a regra atualmente vigente quanto à obrigatoriedade de registro é: CPRs com valor acima de R$ 50.000,00 devem ser registradas no prazo de até 30 (trinta) dias úteis, contados da emissão da CPR, junto à entidade autorizada (Artigo 12, §5º da Lei da CPR e Artigo 2º, III da Resolução CMN nº 4.870/2020). Ainda, existindo garantias reais, a CPR deverá ser registrada no cartório de localização do bem. As regras de registro são aplicáveis à CPR, ao endosso e eventuais aditivos.
Por fim, cumpre esclarecer que o registro do endosso é instrumento hábil a dar publicidade a terceiros e ao próprio emitente quanto à transmissão do título, sendo que, a CPR é um título à ordem (circulável), portanto, não é obrigatória a comunicação do novo credor ao devedor. De toda forma, a fim de mitigar ainda mais os riscos, é importante a notificação dos emitentes da CPR quando a existência do endosso, até para que não haja dúvida quanto ao cumprimento da obrigação existente.