Antes de adentrar especificamente no tema, é importante relembrar que a Constituição Federal está pautada no princípio da dignidade da pessoa humana, o qual busca garantir e proteger as necessidades vitais de cada indivíduo, merecendo destaque, neste contexto, o direito fundamental à moradia.
Em linha com os preceitos constitucionais, nosso ordenamento jurídico prevê o instituto do bem de família, o qual pressupõe que, em regra, o imóvel utilizado como moradia pela entidade familiar é impenhorável. Porém, esta proteção não é absoluta, devendo ser analisada qual a espécie de bem de família aplicável, se legal ou convencional, bem como as circunstâncias do caso concreto.
É importante destacar que o Superior Tribunal de Justiça ampliou o conceito de bem de família aos imóveis pertencentes a pessoas solteiras, separadas ou viúvas (súmula 364).
O bem de família legal tem o regramento disposto na Lei 8.009 de 1990, e independe de qualquer formalidade, bastando que o devedor comprove que é proprietário do imóvel e que o utiliza como moradia da entidade familiar, através da apresentação de contas de consumo de energia, água, internet, dentre outros meios hábeis a atestar que sua residência, de fato, no imóvel.
Ainda, na hipótese em que a entidade familiar seja proprietária de mais de um imóvel e os utilize simultaneamente como moradia, a impenhorabilidade recairá sobre o imóvel de menor valor.
Já o bem de família convencional é aquele que decorre da manifestação da vontade do instituidor, devendo ser formalizado através de escritura pública devidamente registrada no Cartório de Registro de Imóveis, nos termos do artigo 1.711 e seguintes do Código Civil. Neste caso, o imóvel indicado como bem de família não precisa ser o de menor valor, limitado, tão somente, que seu valor corresponda a até um terço do patrimônio líquido do proprietário à época de sua instituição.
Afora as diferenciações quanto à forma de constituição e requisitos legais, ponto fundamental é a consequência prática com relação às dívidas que poderão ou não atingir imóvel alegado pelo devedor como sendo bem de família.
No caso do bem de família legal, a proteção da impenhorabilidade valerá para todas as dívidas, independentemente se constituídas antes ou depois da aquisição do imóvel. Nesta hipótese, ainda que o devedor adquira o imóvel durante os trâmites de execução, este, em regra, será impenhorável.
Quanto à espécie de bem de família convencional, a lei é expressa ao preceituar que o imóvel será impenhorável somente com relação às dívidas que forem contraídas após o registro do gravame. Neste quesito, pretendeu o legislador prestigiar a boa-fé, condicionando a validade o instituto do bem de família à solvência do devedor.
Assim, a jurisprudência é pacífica no sentido de que a aquisição de imóvel posterior ao início da ação de execução ou cumprimento de sentença, nos casos de bem de família legal, não desconfigura a impenhorabilidade.
Como dito, a regra do bem de família não é absoluta, existindo, inclusive, exceções legais ao instituto, mas devendo, ainda, ser analisada toda a conjuntura do caso, de forma a se evitar eventual abuso do direito de propriedade, fraude ou má-fé.
Vale citar que as exceções à impenhorabilidade do bem de família são expressamente trazidas na lei 8.009/90 em seu artigo 3º.
Ademais, o executado não se beneficiará da impenhorabilidade caso seja comprovado que adquiriu imóvel mais valioso, transferindo sua residência familiar e desfazendo-se da moradia antiga, com a intenção de não solver suas dívidas, agindo em flagrante má-fé, conforme disciplina o artigo 4º da lei supramencionada.
Portanto, levando-se em conta a análise da jurisprudência e estudos acerca do tema é possível concluir que o objetivo precípuo da lei, bem como das decisões superiores é proteger o direito fundamental à moradia e não gerar prejuízo aos credores, por este motivo as provas dos casos concretos devem ser analisadas cuidadosamente.
Artigo escrito por: Cynthia Andrade e Priscila Coutinho