O direito fundamental à propriedade é princípio estruturante do ordenamento jurídico brasileiro.
Um dos princípios que norteiam a propriedade, é a publicidade, ou seja, apenas terá a propriedade sob um bem imóvel aquele em cujo nome o imóvel estiver registrado. A publicidade, legalmente atribuída aos negócios jurídicos imobiliários, objetiva principalmente, obter maior segurança jurídica aos contratos e às partes.
Nesse sentido, é possível concluir que a simples celebração de um negócio jurídico não é suficiente para transferir a propriedade de um bem imóvel, demandando para este fim, o registro formal pelas partes alienantes e adquirentes.
Qualquer negócio jurídico envolvendo um bem imóvel deverá observar o princípio da publicidade registral, a fim de produzir efeitos perante terceiros. Essa condição é atingida apenas quando do registro do negócio jurídico na matrícula.
A matrícula é considerada ato registral inaugural, posto que designa sua primeira transcrição. Essa inscrição inicial do imóvel, com a situação geográfica e descrição, precisa ser especialmente assinalada para distinguir-se de qualquer outra que, tomando-a como base, faça-se depois para transmitir ou gravar o imóvel.
Portando, correto afirmar que a natureza jurídica da matrícula é de ato de registro, tendo em vista tratar-se de ato praticado junto aos Registros de Imóveis, dando origem à individualidade do imóvel na sistemática registral. Ou seja, com a abertura da matrícula, o imóvel passa a ser identificado pelo seu número e ganha um atributo de domínio derivado: a matrícula passa a figurar como prova suficiente da propriedade do imóvel.
Além disso, a matrícula deve obedecer ao princípio da unitariedade matricial, ou seja, cada imóvel será objeto de uma matrícula e cada matrícula descreverá apenas um imóvel.
É nítida a intenção do legislador de impor formalidade, publicidade e consequentemente segurança jurídica aos negócios jurídicos imobiliários. Inclusive, a lei que dispõe sobre registros públicos (Lei 6.015/73) elenca todos os atos passíveis de averbação e registro nos Cartórios de Imóveis. Ocorre que o inciso I do Art. 169 da Lei, traz uma exceção à regra, dependendo da interpretação, cria enorme contradição à própria vontade do legislador. Em uma interpretação literal, autorizaria, nos casos de desmembramento ou transferência de competência de uma serventia sobre um imóvel, que o cartório outrora competente, continuasse com a prática de atos de averbação na matrícula do bem, mesmo com nova matrícula aberta na nova circunscrição.
A situação afronta os princípios de territorialidade e unitariedade matricial, visto que pode ensejar que um mesmo imóvel possua duas matrículas e consequentemente, que qualquer uma delas não detenha todas as informações daquele bem, minando a proteção buscada pelo legislador.
Uma matrícula que não contém todos os dados sobre a situação fática do imóvel, perdeu sua principal função e experimenta risco iminente à segurança jurídica dos negócios, visto que não bastará a due diligence apenas no registro atualmente competente, visto que há a probabilidade de existir ônus averbado à margem da transcrição ou da matrícula do Registro de Imóveis anteriormente competente.
Por isso, é fruto de bom senso entender que as averbações a que se referem o citado inciso, são aquelas que não têm como origem a vontade do proprietário, como por exemplo as oriundas de indisponibilidade de bens, ordens judiciais e atos de administração pública. Havendo manifestação de vontade do proprietário, os registros devem ser efetuados na nova circunscrição, sob pena de violação aos princípios da territorialidade e unitariedade matricial.
Conforme entendimento de Vitor Frederico Kumpel e Carla Modina Ferrari: “(…) Aberta a nova matrícula, em decorrência de alteração da circunscrição imobiliária, entende-se que a serventia anterior deverá encerrar a matrícula ou a transcrição que ensejou o transporte da nova matrícula. Muito embora inexista previsão legal correspondente, trata-se de um imperativo de segurança jurídica, visando impedir a coexistência de duas matrículas relativas a um mesmo imóvel, em serventias diversas.”
Seguindo o entendimento de que inexiste qualquer fundamento no ordenamento jurídico que autorize a manutenção das práticas dos referidos atos na antiga delegação, observam-se diversas movimentações dos operadores de direito com o objetivo de eliminar a contradição legal.
Nesta linha, a Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, nos anos de 2008 e 2009 já havia consignado o entendimento de que a competência para a prática de atos de averbação é da nova circunscrição.
Importante destacar que recentemente, a CGJSP, após ouvir considerações da Arisp no procedimento 2018/00081973 editou novas normas relacionadas aos serviços dos cartórios, consignando que 1) todas as averbações e registros passarão a ser realizados junto à nova circunscrição; e 2) a antiga circunscrição averbará a comunicação de abertura do novo registro no antigo.
A mudança normativa teve sua justificativa pautada na necessidade de proteção e manutenção da segurança jurídica dos negócios imobiliários, de modo a suprir a lacuna aberta pelo texto do Inciso I do Art. 169 da Lei nº 6.015/73.
O esforço das serventias de SP em conjunto com a CJGSP deve caminhar para a uniformização do entendimento em âmbito nacional.
Portanto, tem-se que o oficial registrador da serventia originária não pode abrir matrículas de imóveis localizados em regiões e bairros que não mais pertencem à sua circunscrição, bem como em hipótese de abertura de matrícula de imóveis que ainda possuem transcrição, sob pena de tornar-se nula a abertura da matrícula e seus respectivos registros e averbações.
E por fim, a situação demanda até a necessidade de correção do próprio dispositivo legal, a partir da reforma de sua redação, a fim de assegurar a proteção do imóvel, seu(s) proprietário(s) e possíveis interessados no bem.