Apesar de ter sido publicada em meados de março de 2021, foi evidenciado recentemente pela imprensa nacional que, um juiz da Vara do Trabalho de Três Corações, Minas Gerais, ao julgar reclamação trabalhista, proposta pelo espólio de trabalhador morto em virtude de complicações da COVID-19, considerou a doença como de origem ocupacional e, portanto, a equiparou a acidente de trabalho e condenou a empregadora ao pagamento de indenização por danos morais e materiais.
Verifica-se que na referida demanda, RT 0010626-21.2020.5.03.0147, comprovadamente o trabalhador, que era motorista rodoviário celetista e transportava cargas de forma interestadual, veio à óbito em virtude de parada cardiorrespiratória e outros infortúnios oriundos de complicações da COVID-19.
De forma resumida, a família do trabalhador alegou em juízo que a contaminação teria se dado no desempenho das atividades laborais, uma vez que na data presumida de contágio, o motorista estava em viagem interestadual. No mais, houve a alegação de que até mesmo pelas características da profissão, o trabalhador necessitava frequentar instalações sanitárias ou até mesmo para alimentação, precárias, além de estar em constante contato com outros trabalhadores, especialmente nos pátios de carga e descarga de mercadorias, o que, resumidamente, também culminava na ausência ou insuficiência de meios hábeis para se adotar as medidas preventivas de segurança recomendadas pelos órgãos estatais, inclusive.
Já a empregadora se defendeu sob o fundamento de que a referida doença não pode ser considerada como de origem ocupacional, eis que não se enquadraria nas hipóteses legais de acidente de trabalho, bem como reforçou a adoção e regular aplicação de todas as normas e medidas de segurança e medicina do trabalho recomendadas para a redução da possibilidade de contágio, inclusive com a entrega de equipamentos de proteção individual. Suscitou ainda que todos os respectivos clientes atendidos pelo trabalhador também teriam passado por este crivo e, portanto, estavam adequados à precaução exigida pela legislação e órgãos estatais.
Da análise da decisão prolatada pelo juiz de primeiro grau, ou seja, que ainda será submetida a apreciação de uma das Turmas do E. TRT da 3ª Região, já que houve interposição de recurso ordinário por parte da empregadora, tem-se que houve a utilização do posicionamento do STF que declarou inconstitucional o artigo 29 da MP 927/20 (que previa expressamente a impossibilidade de reconhecimento da referida doença como ocupacional, especialmente diante do seu respectivo aspecto pandêmico), para afastar, de plano, a alegação de que a referida doença não poderia ser equiparada a acidente de trabalho, bem como considerando as provas colhidas nos autos de que não deixaram dúvidas quanto à contração da doença pelo trabalhador durante a longa viagem feita de São Paulo ao nordeste brasileiro.
Feitas estas considerações, o juiz ainda considerou que, no caso prático, a responsabilidade civil da empregadora era objetiva, isto é, totalmente prescindível de análise da existência ou não de culpa, haja vista que a função de motorista rodoviário expunha o trabalhador a risco eminente e habitual, levando-se em consideração as atividades executadas externamente, sob condições, muitas vezes precárias e sem possibilidade de controle por parte da empregadora.
Também foi excluída a hipótese de culpa exclusiva da vítima, que retiraria a condição de objetividade da responsabilidade civil, sob o argumento de que não há nos autos qualquer tipo de prova que evidencie o fato de o trabalhador ter contraído a doença por atos praticados no aspecto da respectiva vida pessoal.
Nesta esteira, a decisão condenou a empregadora ao pagamento de danos morais no importe de R$ 100.000,00 (cem mil reais) a cada uma das integrantes do polo ativo, o que totalizou a quantia de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), bem como de danos materiais na forma de pensão mensal vitalícia na proporção de 1/6 sobre a média da remuneração dos últimos 12 meses trabalhados pelo motorista à esposa do de cujus e até os 24 anos da sua filha.
Importante destacar ainda o fato de que, na referida decisão, o juiz também não se utilizou dos critérios limitadores contidos no novo artigo 223-G da CLT, por considerá-lo inconstitucional e ensejador de tratamento discrepante entre empregados com salários diversos.
Portanto, a referida decisão corrobora com o posicionamento já evidenciado pelo Arone Coutinho através de pílulas, boletins informativos e guias rápidos, no sentido de que as empresas precisam adotar postura cautelosa quando da necessidade de exigência de trabalho presencial, mesmo nas piores fases de disseminação do novo coronavírus e, mais ainda, quando do retorno gradual de atividades consideradas não essenciais.
Leia a íntegra da decisão aqui: Decisão