Uma garantia que vem sendo cada vez mais utilizada em operação de concessão de crédito, inclusive para o fomento do agronegócio, é a alienação fiduciária, que consiste em um negócio jurídico que visa à transferência da propriedade resolúvel de bem móvel ou imóvel.
É sabida a importância do registro da alienação fiduciária junto ao Cartório competente, sendo que existe divergência no STJ, quanto à natureza jurídica deste registro: se condição de validade do negócio ou requisito de eficácia contra terceiros.
Muitos posicionamentos firmados pelo STJ, baseados na doutrina clássica, estabeleceram de forma geral que o registro do contrato de alienação fiduciária em garantia, é requisito de eficácia perante terceiros de boa-fé, pela oponibilidade erga omnes, ante a publicidade do ato, não constituindo condição de validade do negócio. (AgRg no REsp 977.998/RS; AgRg no EREsp 875.634/PB; REsp 1.190.372/DF; REsp 770.315/AL).
Contudo, em julgamento recente do REsp 1835598/SP, que tratou efetivamente de contrato de compra e venda de imóvel, indo na contramão aos entendimentos acima citados e até mesmo contra a doutrina, a relatora Nancy Andrighi entendeu que, em observância ao regime especial da Lei 9.514/97, que trata da propriedade fiduciária de bens imóveis, “o registro do contrato tem natureza constitutiva, sem o qual a propriedade fiduciária e a garantia dela decorrente não se perfazem”, visto que o artigo 23 da lei, prevê que o registro do contrato no cartório competente serve de título à propriedade fiduciária.
Em acórdão, após conceituar e fazer uma breve sintetização sobre o “duplo regime jurídico da alienação fiduciária” doutrinário, qual seja, o regime jurídico do Código Civil e regime jurídico especial, haja vista que é formado por um conjunto de normas esparsas, a ministra sustentou pela necessidade do registro do contrato no cartório competente.
Explicou que, embora no caso de cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis e de títulos de créditos seja desnecessário o registro em cartório, com finalidade do registro apenas para fins de publicidade, no caso de “propriedade fiduciária de bem imóvel, regida pela Lei 9.514/97, verifica-se que a garantia somente se constitui com o registro do contrato que lhe serve de título no registro imobiliário do local onde o bem se situa“, possuindo o registro, natureza constitutiva.
Caso contrário, haveria “simples crédito” sem constituição de garantia, e consequente ausência de transmissão de propriedade resolúvel.
Em voto vencido, o ministro Ricardo Vilas Boas discordou da relatora, pois segundo ele, o entendimento da Corte, citando como um dos julgados, o AgInt no AREsp 1.689.082/SP, é de que a ausência de registro do contrato de alienação fiduciária no competente cartório de registro não retira a eficácia da garantia, mas serve tão somente para dar publicidade a terceiros, trazendo alguns exemplos de decisões inclusive quanto à hipoteca e promessa de compra e venda, cujos contratos são válidos, independente do registro, servindo o ato de resguardo do contratante em face de terceiros.
O artigo 23 da Lei 9.514/97 diz respeito ao requisito constitutivo do direito real da propriedade fiduciária do bem imóvel, ao passo que, com o registro em cartório competente haverá a constituição do direito real com atributo erga omnes, não impedindo, em caso de ausência de registro, a produção dos efeitos entre as partes.
Assim, temos que o recente posicionamento jurisprudencial do REsp 1835598/SP foi contra todo o entendimento da mesma Corte proferido até então, e até mesmo da doutrina, que por vezes serviu de amparo para julgados.
A consequência é a insegurança jurídica instaurada sobre um instrumento jurídico, qual seja, o contrato com garantia de alienação fiduciária, que vem sendo cada vez mais utilizado para a concessão de crédito e que necessita de concretização ao que se refere às suas condições.
Nos basta aguardar a restabelecimento do entendimento do Superior Tribunal de Justiça, sendo o majoritário, o que se espera.