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A reforma da Lei de recuperação judicial e Falência e as principais alterações para o setor do agronegócio
Edição 7 - Fevereiro de 2021
Introdução
A recuperação judicial (RJ) é um meio para que a empresa em dificuldade reorganize seus negócios, redesenhe seu passivo e se recupere da situação de momentânea dificuldade financeira.
De acordo com o conceito legal, a RJ tem por objetivo superar a situação de crise financeira, de forma a preservar-se a empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica, inclusive com a manutenção de empregos.
Para além da proteção do emprego e da economia local, tem-se que a RJ é uma medida protetiva aos credores, constituindo um procedimento compulsivo e coletivo, de forma que todos os credores, coletivamente, acordam para o recebimento.
Se assim não fosse e cada credor buscasse individualmente reaver seus créditos, os primeiros e provavelmente com créditos substanciais, conseguiriam “os melhores lugares na fila”, podendo inclusive, atingir ativos fundamentais à empresa devedora. Esse tipo de atitude além de não ser sustentável no longo prazo, levando ao esgotamento dos recursos da empresa, poderia levar ao caos, guerreando todos contra todos!
Nesse contexto, é fundamental a Lei de Recuperação Judicial e Falências (Lei 11.101/05) e suas recentes alterações trazidas na Nova Lei (14.112/20), visando trazer previsão legal sobre diversos pontos que já eram praticados ou debatidos na esfera judicial.
Notamos que a nova legislação trouxe avanços, contudo, ainda restam margens para insegurança jurídica e questionamentos quanto à ineficiência desses processos, seja pelo tempo e custos envolvidos no processo, mas também o deságio no recebimento das dívidas.
No presente Boletim buscamos comentar as principais alterações da nova legislação em matéria de RJ com foco nas empresas atuantes da cadeia do agronegócio.
A Lei de Falências e Recuperação de Empresas (11.101/05) previa, em seu art. 6º, § 4º, o prazo improrrogável de 180 dias de suspensão no trâmite das ações judiciais contra empresa que estivesse em processo de recuperação.
Entretanto, na prática, tal prazo somente era improrrogável na letra fria da Lei, uma vez que a jurisprudência vinha admitindo a prorrogação, sendo que em casos excepcionais até por mais de uma vez, quando a votação do plano ultrapassava o prazo de 180 dias por atos não atribuíveis ao devedor, sob o fundamento de que a referida prorrogação seria necessária para não frustrar o próprio plano de recuperação judicial.
De acordo com o Art. 6º, II, da Nova Lei de Falência, após o deferimento do pedido de RJ, inicia-se a aplicação da suspensão das ações de execução em desfavor da recuperanda, inclusive as relacionadas aos credores particulares do sócio solidário relativas a créditos ou obrigações sujeitas à recuperação judicial.
O prazo de suspensão das ações será de 180 dias, prorrogável por igual período, uma única vez, de acordo com o Art. 6º, § 4º, desde que a impossibilidade de votação do plano não seja atribuída à recuperanda.
Vale destacar, ainda, que não há previsão legal para a suspensão das ações em relação à mediação ou à recuperação extrajudicial.
Contudo, apesar do prejuízo experimentado pelos credores, uma vez que as ações poderão ficar suspensas até 360 dias, caso haja a prorrogação do prazo adicional de 180 dias obedecidos os critérios estabelecidos pela Lei ressaltados acima, com a regulamentação de tal assunto, entendemos que será evitada a prorrogação por mais de uma vez, gerando mais segurança jurídica para os credores, que na prática já ficavam em períodos de stay period por prazos superiores aos 360 dias.
A Nova Lei trouxe a possibilidade de propositura de plano alternativo por parte dos credores.
Não havendo previsão legal, até então, apenas o devedor poderia apresentar plano de recuperação judicial e qualquer proposta de alteração formulada por credores deveria contar com sua expressa concordância.
Contudo, a Nova Lei trouxe a possibilidade de apresentação de plano alternativo por parte dos credores. Após a rejeição em Assembleia Geral de Credores (AGC) do plano proposto pelo devedor, os credores poderão votar pela concessão de 30 dias para apresentação de plano alternativo. A concessão deste prazo deverá ser aprovada por credores que representem mais da metade dos créditos presentes na AGC.
Conforme disposto, o plano apresentado pelos credores deverá seguir os seguintes requisitos:
- Não haver plano anteriormente aprovado, sem objeções, pela AGC;
- Discriminação pormenorizada dos meios de recuperação a ser empregados;
- Demonstração de sua viabilidade econômica;
- Laudo econômico-financeiro e de avaliação dos bens e ativos do devedor, subscrito por profissional legalmente habilitado ou empresa especializada;
- Apoio por escrito de credores que representem, alternativamente: mais de 25% dos créditos totais sujeitos à RJ, ou mais de 35% dos créditos dos credores presentes à AGC.
- Não imputação de obrigações novas, não previstas em lei ou em contratos anteriormente celebrados, aos sócios do devedor;
- Previsão de isenção das garantias pessoais prestadas por pessoas naturais em relação aos créditos a serem novados e que sejam de titularidade dos credores mencionados no item “e” acima ou daqueles que votarem favoravelmente ao plano de recuperação judicial apresentado pelos credores, não permitidas ressalvas de voto;
- Não imposição ao devedor ou aos seus sócios de sacrifício maior do que aquele que decorreria da liquidação na falência.
Cumprindo os requisitos elencados, o plano alternativo deverá ser votado em até 90 dias contados da data da AGC que deliberou pela apresentação do plano.
Por fim, rejeitados ambos os planos, do devedor e dos credores, ou caso não tenha ocorrido a apresentação de plano alternativo, o juiz convolará a RJ em falência.
Bens de capital essenciais à manutenção da atividade empresarial
E o que é bem de capital?
É um bem corpóreo, móvel ou imóvel, desde que não perecível e consumível, necessariamente em posse da recuperanda, e que se faz imprescindível para o próprio desenvolvimento da atividade econômica contida no objeto social da empresa.
Diante deste contexto, os bens de capital que forem considerados como essenciais para a manutenção da produção da atividade empresária da recuperanda não poderão ser objeto de penhora, arresto ou qualquer outra medida constritiva pelo prazo de até 1 (um) ano, o que na prática ainda traz sérias angústias aos credores que visam a satisfação do crédito de forma célere e ágil.
Vale destacar que não existe um conceito ou parâmetro quanto ao tipo de bem que pode vir a ser considerado como essencial, ficando ao critério do juiz determinar que o bem permaneça na posse do devedor. Já nos deparamos com decisões não permitindo a execução de bens como: imóvel onde funciona a sede da empresa, silos, maquinário agrícola, e até sobre a lavoura colhida, todos gravados com alienação fiduciária.
É comum que existam embates quanto à essencialidade ou não dos bens, sendo que não existe um procedimento legal para essas discussões. Neste ponto, perdeu o legislador a oportunidade de trazer um regramento que pudesse mitigar riscos e evitar atrasos no trâmite processual, prevendo-se, por exemplo, que o devedor, quando do pedido de processamento da recuperação judicial, obrigatoriamente listasse todos os bens que julgue essenciais à manutenção da atividade produtiva. Na sequência os credores fiduciantes seriam intimados para se o caso impugnarem sobre a essencialidade do bem objeto de sua garantia. O que infelizmente não foi feito!
Portanto, quando da concessão de crédito, faz-se necessária a adoção de medidas preventivas para averiguação da essencialidade dos bens dados em garantia. Além disso, recomendamos que sejam estruturadas operações com lastro em Cédula de Produto Rural (CPR/CPRF), com garantia de alienação fiduciária e incluindo-se uma cláusula na qual o emitente da CPR declara que o bem objeto da garantia fiduciária não é essencial à manutenção de sua atividade produtiva, nos termos do art. 5º, § único da Lei 8929/94.
Como fica a RJ do produtor rural?
Quais os documentos e informações necessários para que o produtor possa acessar a RJ?
Primeiramente, o produtor deve comprovar o exercício da atividade como empresário rural por no mínimo 2 anos.
Antes da nova legislação discutia-se nos Tribunais a existência ou não da obrigatoriedade do registro perante à Junta Comercial como forma de comprovação da regularidade como empresário rural, bem como sobre a natureza do referido registro, se declaratória ou constitutiva.
De forma a sanar a referida insegurança jurídica, a Lei 14.112/20 regulamentou a admissão, para fins de comprovação de atividade rural, a efetiva demonstração de exercício de atividade rural por pessoa jurídica pelo prazo de 2 (dois) anos, através de Escrituração Contábil Fiscal (ECF) ou de registros contábeis que venha a substituí-la.
Assim, na prática a comprovação do exercício como empresário rural se dará com a apresentação dos seguintes documentos:
Livro Caixa Digital de Produtor Rural (LCDPR)+Declaração de Imposto de Renda Física (DIPPF) + balanço patrimonial.
Importante: Somente dívidas que decorram da atividade rural e que estejam escrituradas nos documentos acima relacionados que poderão ser incluídas na RJ!
Além disso, o § 6º do art. 51, em seu inciso I, determina que a petição inicial da ação que requeira a recuperação inicial de devedor produtor rural deverá trazer a exposição das causas concretas da situação patrimonial deste, as razões da crise econômico-financeira, a comprovação da insuficiência de recursos financeiros ou patrimoniais, e a demonstrando liquidez suficiente para saldar suas dívidas.
Portanto, notamos que não há mais discussão quanto à exigência de registro na Junta Comercial, sendo que a apresentação de documentos que comprovem o exercício da atividade como empresário rural confere transparência ao mercado e estimula a adoção de boas práticas contábeis pelo produtor rural.
Quais créditos não estão sujeitos à recuperação judicial
Estão sujeitos à RJ todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.
Antes da nova legislação estavam excluídos da RJ:
- Créditos contra coobrigados (fiadores/avalistas);
- Crédito garantidos por propriedade fiduciária de bens móveis ou imóveis;
- Créditos lastreados em Cédula de Crédito à Exportação (CCE).
Com a nova legislação, além das hipóteses supra, também estão excluídos da RJ:
- Na RJ de produtor rural os créditos que não decorram da atividade rural (dívidas pessoais) e as dívidas que não estejam discriminadas nos documentos comprobatórios da atividade como empresário rural (Livro Caixa, Declaração de Ajuste Anual de IRPF ou Balanço Patrimonial);
- Rrecursos repassados a título de crédito rural e que tenham sido objeto de renegociação entre o devedor e a instituição financeira antes do pedido de RJ. Importante destacar que a Lei trata, especificamente, do Crédito Rural, que pode ser obtido através de financiamento oficial via Pronaf, Pronamp, Funcafé, Inovagro, entre outros programas do governo;
- Créditos e garantias relacionadas à aquisição de propriedade rural, desde que contraídos até 3 anos antes do pedido de RJ.
Logo, a nova legislação ampliou o rol de créditos que não sofrerão efeitos num cenário de RJ, sendo possível aos credores sua execução, bem como medidas acautelatórias para garantir a efetividade na recuperação do crédito.
Dispensa de apresentação de certidões negativas
A redação anterior da Lei 11.101/05 previa a dispensa da apresentação de certidões negativas para que o devedor exercesse suas atividades durante o plano de recuperação judicial, excetuando-se a contratação com o Poder Público ou, ainda, para o recebimento de benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios.
A Nova Lei apesar de ter retirado do texto as exceções, acabou por inserir a necessidade de observância ao disposto no § 3º do art. 195 da Constituição Federal, que dispõe que “A pessoa jurídica em débito com o sistema da seguridade social, como estabelecido em lei, não poderá contratar com o Poder Público nem dele receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios”.
O que se vê na prática, portanto é que, a legislação não deixou de exigir a adimplência da recuperanda quanto aos débitos previdenciários nos casos de contratação com o Poder Público ou, ainda, nas situações de recebimento de benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, que não deixa de prever que a recuperanda deva estar adimplente com suas obrigações tributárias para eventual contratação com o ente público.
Lembrando que essa regra não se confunde com a do inalterado art. 57 da Lei, que exige certidões negativas de débitos tributários para homologação do plano de recuperação judicial, enquanto a do artigo ora discutido prevê, apenas, a respectiva dispensa para o efetivo exercício das atividades da recuperanda durante o plano de recuperação judicial.
O credor fornecedor tem privilégio na recuperação judicial
É permitido que o plano de recuperação judicial estabeleça tratamento diferenciado aos créditos pertencentes aos fornecedores de bens ou serviços que continuem a prover o devedor em RJ, desde que tais bens ou serviços sejam necessários para a manutenção das atividades e que o tratamento privilegiado seja razoável na medida da relação comercial.
Muito embora essa prática já estivesse sendo aplicada amplamente pela varas especializadas ao julgamento das RJs, não havia previsão legal. Agora, com a previsão expressa na legislação, fica pacificado que o plano de recuperação judicial poderá prever condições e pagamento diferenciado ao credor fornecedor, com descontos menores, juros maiores e prazo curto para pagamento, com objetivo de preservação da atividade da empresa em recuperação e geração de emprego e renda.
Estímulo à conciliação, mediação e outros métodos alternativos à solução de conflitos
Com objetivo de facilitar a composição entre as partes, desafogar o judiciário, bem como uma maior celeridade processual, a Nova Lei estimula a conciliação, a mediação e outros métodos alternativos de solução de conflitos que se relacionem com a RJ e a falência.
Desde a fase pré-processual, prevê o art. 20-B, IV, a negociação prévia de dívidas e formas de pagamentos entre as empresas em dificuldade e seus respectivos credores, inclusive com a possibilidade de obtenção de cautelar, suspendendo-se todas as execuções por até 60 dias.
Sobre o tema, ainda, foi introduzida a Seção II-A esmiuçando que o estímulo aos métodos alternativos se dará em qualquer grau de jurisdição, inclusive na fase recursal e não implicará na suspensão dos prazos processuais, salvo se as partes assim acordarem ou se houver decisão judicial nesse sentido.
No art.20-B, o legislador traz um rol exemplificativo para admissão de conciliações e mediações quando existam conflitos relacionados à disputa entre sócios e acionistas de sociedades em RJl, ao litígio que envolvam credores não sujeitos à recuperação ou credores extraconcursais, às concessionárias ou permissionária de serviços público que estejam em RJ e os órgãos reguladores e entes públicos aos quais prestam serviço ou ainda quando haja interesse em permitir a continuidade da prestação de serviços essenciais por empresas em RJ enquanto vigente período de calamidade pública.
Há vedação expressa, porém, para conciliação e mediação que tenham por objeto a natureza jurídica, a classificação de créditos e, também, para aqueles que visam discutir sobre créditos de votação em assembleia geral de credores.
As sessões de conciliação e mediação poderão ocorrer por meio de videoconferência, devendo-se respeitar as condições trazidas no art. 20-D. Qualquer acordo obtido por tais meios de solução de conflitos deverá ser homologado pelo juiz competente.
Plano de recuperação extrajudicial
A recuperação extrajudicial é uma alternativa de negociação do devedor diretamente com os credores, buscando a formalização do plano de pagamento das dívidas para superação da crise financeira.
Antes da Lei 14.112/20, a dívida de natureza trabalhista não podia ser submetida ao acordo de recuperação extrajudicial por expressa vedação legal.
Contudo, a partir da alteração da legislação em comento, passou-se a ser permitido a inclusão do passivo trabalhista, incluindo o débito decorrente de acidente de trabalho na negociação extrajudicial, desde de que tenha o devido acompanhamento e interferência do sindicato da respectiva categoria profissional.
O crédito tributário, a garantia fiduciária e o adiantamento decorrente de contrato de câmbio, permanecem na mesma regra, ou seja, não podem ser objeto de plano de recuperação extrajudicial pelo devedor.
Com isso, as empresas ganham mais um incentivo para planejamento das dívidas pela via extrajudicial, evitando a morosidade da via judicial e os custos decorrentes, bem como o risco de decretação de falência em caso de não aprovação do plano de pagamento pelos credores.
Laudo de Constatação prévia-reais condições de funcionamento da empresa e regularidade documental
Sem previsão legal para sua realização, alguns juízes, seguindo recomendação do CNJ, determinavam a realização da constatação prévia antes de deferir o processamento da RJ.
A mudança legislativa, no entanto, trouxe previsão expressa quanto à constatação prévia facultando ao juiz sua realização quando entender necessário.
E como funciona a constatação prévia de regularidade da empresa?
O juiz, quando considerar necessário, sem que seja ouvida a outra parte, e sem apresentação de quesitos por qualquer das partes, nomeará profissional de sua confiança, com capacidade técnica e idoneidade, para promover a constatação das reais condições de funcionamento do devedor e da regularidade da documentação apresentada com a petição inicial.
Ainda é facultado ao magistrado a possibilidade de determinação de realização da diligência sem a prévia ciência do devedor, quando entender que esta poderá frustrar seus objetivos.
O magistrado deverá conceder o prazo máximo de 5 dias para que o profissional nomeado apresente o laudo de constatação.
Caso a constatação prévia aponte indícios de utilização fraudulenta da ação de RJ, o juiz poderá indeferir a petição inicial e emitir ofício ao Ministério Público para tomada das providências criminais cabíveis.
Se o documento demonstrar que o principal estabelecimento do devedor não se situa na área de competência do juízo, o juiz determinará a remessa dos autos, com urgência, ao juízo competente.
Ao final, o devedor será intimado acerca do resultado da constatação prévia concomitantemente à sua intimação da decisão que deferir ou indeferir o processamento da RJ, ou que determinar a emenda da petição inicial.
Trata-se, portanto, de instrumento importante no intuito de prevenção a requerimentos fraudulentos.
O Termo de Adesão pode dispensar a realização da Assembleia Geral de Credores?
Mais uma vez as alterações trazidas pela legislação prestigiam as negociações extrajudiciais entre devedor e credores, com objetivo de dar celeridade ao processo de RJ, permitindo que o devedor, em até 5 dias antes da realização da assembleia geral, comprove que os credores concordaram com o plano de pagamento por meio da assinatura do termo de adesão, o qual será submetido ao juiz competente para sua homologação judicial.
Destaca-se que deve haver aprovação dos credores respeitando o quórum específico de cada classe de crédito, nos termos do art. 45 da Lei.
Conseguinte, uma vez homologado o plano de pagamento, a assembleia geral será imediatamente dispensada, sendo que os demais credores serão intimados para, querendo, apresentar suas objeções no prazo de 10 dias, se limitando na defesa tão somente o seguinte pontos:
- Não preenchimento do quórum legal de aprovação;
- Descumprimento do procedimento disciplinado nesta Lei;
- Irregularidades do termo de adesão ao plano de recuperação; ou
- irregularidades e ilegalidades do plano de recuperação.
Ressalta-se que as deliberações extrajudiciais serão fiscalizadas pelo administrador judicial, que emitirá parecer sobre sua regularidade, além da oitiva do Ministério Público antes da manifestação do juiz.
Alienação de bens e oferta de garantias durante à RJ
O texto de Lei anterior já previa no caput do art. 66 que, após a distribuição do pedido de RJ, em regra, não seria mais possível alienação ou oneração de bens ou direitos do ativo permanente da recuperanda, salvo com autorização do juiz, depois de ouvido o Comitê de Credores,se houvesse, com exceção daqueles previamente autorizados no plano de recuperação judicial.
A nova legislação trouxe alterações no procedimento com a inclusão dos incisos I e II do §1º:
- Nos 5 dias subsequentes à data da publicação da decisão, credores que corresponderem a mais de 15% do valor total de créditos sujeitos à RJ, comprovada a prestação da caução equivalente ao valor total da alienação, poderão manifestar ao administrador judicial, fundamentadamente, o interesse na realização da assembleia-geral de credores para deliberar sobre a realização da venda;
- Nas 48 horas posteriores ao final do prazo previsto no inciso I deste parágrafo, o administrador judicial apresentará ao juiz relatório das manifestações recebidas e, somente na hipótese de cumpridos os requisitos estabelecidos, requererá a convocação de assembleia-geral de credores, que será realizada da forma mais célere, eficiente e menos onerosa, preferencialmente por intermédio dos instrumentos referidos no § 4º do art. 39 desta Lei.
Ademais, foi inserido o art. 66-A, que trouxe a figura do terceiro de boa-fé (adquirente e financiador) e a proteção aos seus interesses, em caso de alienação ou garantia de bens ofertados pelo devedor, quando o negócio jurídico é consumado (com o recebimento dos recursos)..
Logo, desde que em conformidade com os preceitos legais (mediante autorização judicial e previsto em plano de recuperação judicial ou recuperação extrajudicial aprovado) os adquirentes ou financiadores não serão prejudicados não podendo a venda ser considerada nula ou ineficaz.
A possibilidade de financiamento do devedor recuperando durante o curso da própria RJ
A Lei 14.112/20, atendendo pedidos da FECOMÉRCIO bem como de diversos outros setores empresariais, introduziu uma nova Seção ao Capítulo III da Lei 11.101/05, passando a tratar do Financiamento do Devedor e do Grupo devedor durante a RJ.
Assim, passa a ser permitida a celebração de contratos de financiamento pelo devedor submetido à RJ.
Quais requisitos devem ser cumpridos para emissão destes financiamentos?
O juiz da RJ, a seu critério, poderá permitir tais contratos, desde que o devedor o garanta com a oneração ou através de alienação fiduciária de bens e direitos, inclusive de terceiros, pertencentes ao ativo não circulante da empresa, e que também comprove que o montante financiamento será revertido para:
- Prática das próprias atividades empresariais;
- Pagamento de despesas referentes à reestruturação da empresa ou preservação do valor dos respectivos bens ativos.
Importante saber: ATIVO NÃO CIRCULANTE de uma empresa é a composição dos bens e direitos que não possuem liquidez necessária e suficiente para conversão monetária em um curto espaço de tempo. Ex. Equipamentos e maquinários utilizados para a produção das atividades empresariais.
Os créditos contraídos através destes financiamentos entrarão na recuperação judicial?
Não, tais montantes serão considerados como extraconcursais.
Como e quando eles serão pagos?
Serão pagos antes dos créditos classificados dentro da RJ, sendo garantida a extraconcursalidade, ainda que decisão em grau de recurso reforme a decisão do juízo de origem quando do deferimento do próprio financiamento, desde que fique comprovada a boa-fé, e nos casos em que já tenha sido iniciado o desembolso dos recursos.
Além da oneração ou alienação fiduciária de bens pertencentes ao ativo não circulante da recuperanda, o agente financiador poderá receber outro tipo de garantia quando da concessão de financiamento no curso da rj?
Sim, a Lei passa a prever a possibilidade de o juiz autorizar a constituição de garantia subordinada sobre um ou mais ativos do devedor, em favor daquele que financiou a recuperanda no curso da RJ, inclusive com a dispensa da anuência do credor detentor da garantia original.
O que é garantia subordinada? e como funciona na prática?
Criada para outra finalidade (garantia em duplicatas – art. 58, § 4º, da Lei 6.404/76), a garantia subordinada acaba por oferecer uma preferência de pagamento em relação a determinados credores.
Assim, no caso de efetivação de financiamento dentro da RJ, o agente financiador poderá ter preferência de recebimento sobre um ou mais ativos circulantes do devedor, mediante autorização judicial expressa neste sentido, quando houver excesso resultante da venda do respectivo ativo objeto da garantia original, desde que esta não seja derivada de alienação ou cessão fiduciária.
Como ficam estes créditos se houver a decretação da falência do devedor recuperando?
Os respectivos contratos de financiamentos serão automaticamente rescindidos, sendo que os financiadores dos créditos citados terão a garantia de conservação das eventuais garantias constituídas (sobre os bens do ativo não circulante) e preferências (garantia subordinada) até o limite dos créditos efetivamente entregues à recuperanda antes da data da sentença declaratória da falência.
Por fim, quem poderá atuar como agente financiador no curso de determinada rj?
A legislação possibilitou que qualquer pessoa poderá atuar neste tipo de financiamento, inclusive os credores, familiares, sócios e integrantes do grupo econômico do devedor recuperando, sendo assegurado também a qualquer pessoa, em RJ ou não, o interesse em garantir tal financiamento mediante oneração ou alienação fiduciária de seus próprios bens e direitos.
Plano especial de recuperação judicial para produtor rural
A Lei garantiu que o produtor rural que possua um volume de dívidas de até 4,8 milhões de reais, tenha direito ao plano especial de recuperação judicial, benefício já garantido às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte.
A Lei não foi alterada no tocante ao rito, portanto, para o plano especial de RJ de produtor rural, este deve:
- Apresentar todos os créditos existentes na data do pedido, excetuado os créditos oficiais;
- Prever o pagamento em até 36 parcelas mensais, iguais e sucessivas, acrescidas de juros equivalentes à SELIC;
- O pagamento da primeira parcela, deverá ocorrer em até 180 dias, contados da distribuição do pedido do plano especial de RJ;
Destaca-se que o plano especial de RJ não suspende a prescrição nem das ações e execuções por créditos não abrangidos no plano, ou seja, há regramento próprio para o stay period, não se aplicando ao caso os ditames do art.6º.
Outro ponto de destaque é a não convocação da Assembléia Geral de Credores, podendo o juiz conceder a RJ se atendidos todos os requisitos da Lei, bem como o juiz poderá convolar a RJ em falência caso haja objeções de credores titulares de mais da metade dos créditos de qualquer classe.
A legislação criou uma maneira de facilitar a reestruturação de pequenos e médios produtores rurais, garantindo a estes tratamento especial, buscando com isso uma forma de recolocar o produtor no mercado de maneira estruturada.
Operações com derivativos
Sem tratamento na legislação anterior, era, em regra, admitido o vencimento antecipado e a compensação.
A Nova Lei trouxe expressamente a possibilidade de vencimento antecipado e de compensação de operações compromissadas (CPRs, LCAs, CRAs, debêntures, entre outras) e derivativos, desde que previstos nos contratos celebrados entre as partes ou em regulamento o vencimento antecipado e a compensação, sendo proibidas medidas que impliquem em redução das garantias ou das condições de excussão.
Cabe ressaltar, que em decorrência do vencimento antecipado, os créditos e débitos serão compensados e extinguirão as dívidas no limite dos que eles compensarem e eventual crédito remanescente estará sujeito à RJ, exceto nos casos em que existir garantia de alienação ou cessão fiduciária.
CPR fora da RJ - Dispositivo vetado
Amplamente aguardado pelo setor do agronegócio, o texto legal aprovado no Congresso Nacional previa que os créditos e garantias vinculados às CPRs com liquidação física não estariam sujeitos à RJ. Dispunha ainda que caberia ao Ministério da Agricultura definir quais atos ou eventos poderiam ser caracterizados como caso fortuito ou força maior.
Entendemos que a previsão de competência do Ministério da Agricultura para definição dos eventos que deflagrassem caso fortuito ou força maior configurava um retrocesso, seja porque estaríamos adstritos a vontades políticas, mas também porque eventos deste tipo são comuns e típicos do negócio, não legitimando o descumprimento de obrigações. Poderia, assim, o veto ter parado por aí, retirando do texto a previsão quanto à escusa nas hipóteses de caso fortuito e força maior.
Contudo, o Presidente da República vetou por completo este dispositivo, retirando da CPR, uma das garantias mais utilizadas para o fomento ao agronegócio no país, o protagonismo que lhe cabe. Assim, infelizmente, os créditos e garantias relacionadas às CPRs continuam sofrendo os efeitos na RJ, estando em total desencontro com as recentes iniciativas legislativas para o setor, visando o fomento ao financiamento privado e inclusive estrangeiro.
Conclusão
Como toda legislação, há pontos positivos e diversas críticas.
A previsão legal expressa de práticas já consolidadas no judiciário prestigiam a segurança jurídica.
Merece elogio a previsão expressa quanto à constatação prévia, como forma de investigar e punir devedores mal intencionados.
A exigência de documentos que comprovem o exercício da atividade como empresário rural confere transparência ao mercado e estimula a adoção de boas práticas contábeis pelo produtor rural.
Contudo, no geral, notamos que as alterações legais prestigiaram os devedores e medidas importantes, a exemplo da CPR fora da RJ, infelizmente foram retiradas do texto legal.
Além disso, o legislador perdeu a oportunidade de mitigar pontos de grande insegurança jurídica, a exemplo da apuração da essencialidade de bens à manutenção da atividade produtiva do recuperando.
Como consequência, espera-se um incremento nos pedidos de recuperação judicial nos próximos anos, bem como o encarecimento no acesso ao crédito. Perde o mercado e a sociedade como um todo!
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